Setor se prepara para uma oferta maior de conteúdo nacional original na TV por assinatura


Passado um ano da regulamentação do SeAC, setor se prepara para uma oferta maior de conteúdo nacional original na TV por assinatura. Gargalos são os recursos e a mão de obra.

Publicado originalmente na revista Tela Viva

Edição junho de 2013

Redação Tela Viva



Passou-se um ano desde a fase de regulamentação da Lei do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC)- marco legal da Tv por assinatura que libera o serviço para operadoras de telecom, permite a entrada irrestrita de capital estrangeiro e cria cotas de conteúdo nacional- e se aproxima a efetividade plena das cotas de canais nacionais no line-ip da Tv paga e de conteúdo nos canais (em setembro passa a valer a cota máxima, de um terço de canais nacionais nos pacotes e 3h30 de produção nacional por semana, em horário nobre, nos canais de conteúdo qualificado).

Segundo canais ouvidos por TELA VIVA, o primeiro ano pautou-se pela busca de conteúdos prontos, como files, pois havia a necessidade de se ocupar rapidamente os espaços das cotas, e não havia tempo para fazer isso apenas com a produção original. Agora estaria se abrindo um novo ciclo, comas produções que vinham sendo gestadas nos últimos meses começando a ser exibidas pelos canais.

Para a Ancine, o momento é de correção do que considera distorções no mercado, com ou sem auxílio da regulamentação, mas também de um esforço do setor, inclusive financeiro, para garantir o volume de conteúdo necessário. A agência se prepara para as próximas etapas do projeto de fortalecimento da indústria de conteúdo brasileiro, incluindo a exportação de canais. Este foi o recado do presidente da agência, Manoel Rangel, no 14º Fórum Brasil de Televisão, que aconteceu no início de junho, em São Paulo, promovido por TELA VIVA.

Para o presidente da Ancine, diversas etapas foram superadas para que a Lei do SeAC fosse totalmente implementada, com a publicação dos primeiros regulamentos da lei e o início do credenciamento de programadoras e classificação de canais, bem como o início das obrigações do carregamento de canais que cumprem cotas na TV por assinatura. Segundo ele, a entrada em vigor da lei ajudou a aquecer o mercado de programação e produção. “Programadoras estreitaram relações com parceiros produtores independentes, inaugurando uma via de mão dupla onde havia mão simples”, disse Rangel.

O período também já foi longo o suficiente para detectar questões que, segundo ele, exigem adaptações das produtoras, programadoras e empacotadoras (operadoras de tv paga). “Recebemos dos assinantes reclamações expressivas quanto ao número de reprises na programação de conteúdo nacional. Estamos atentos a esta situação, sensíveis ás reclamações”, disse o presidente da Ancine, que recentemente iniciou seu terceiro mandato. Segundo ele, se necessário, a agência reguladora está disposta a atuar nos próximos meses.

Fim da transição

Rangel lembrou que o período de transição das cotas de programação e conteúdo na Tv paga estará concluído em setembro, quando a Lei do SeAC estará em plena operação, com todas as obrigações de carregamento de canais e de espaço ao conteúdo brasileiro nos canais. Para que isso aconteça de forma saudável, Rangel cobrou iniciativas dos agentes do setor. “Precisamos de mais projetos, mais roteiros. As programadoras devem se estruturar melhor para selecionar e acompanhar os projetos. As produtoras devem atender demandas e propor caminhos às programadoras”, afirmou.

Aumentar o volume de produções exigirá esforços dos agentes do setor e mais investimentos privados. No entanto, Rangel admite ser necessário um investimento público mais leve e ágil. “É preciso que o foco da agência esteja nos resultados e não nos processos”, disse.

Para isso, diz que está em curso um processo de identificação de possíveis mudanças no modelo de acompanhamento e de condicionantes no processo de produção das obras com recursos públicos. Isto envolve uma longa negociação com outras instâncias de governo, como o Tribunal de Contas da União, para quebrar paradigmas em processos já consagrados na gestão do dinheiro público.

“O acompanhamento dá muita atenção ao processo e à papelada, e pouca ao resultado final”, disse. Esse processo de negociação no governo deve se estender ao próximo ano. Mas algumas mudanças devem ser feitas imediatamente na gestão do Fundo Setorial do Audiovisual para agilizar, dentro do possível nas regras atuais, a liberação de recursos para projetos contemplados.

A demora na aprovação de projetos e na liberação de recursos do FSA para projetos já aprovados é uma das principais críticas que tanto programadores quanto produtores independentes fazem à Ancine. Segundo fontes da agência, este trâmite já evoluiu bastante com a substituição do agente financeiro do Fundo, da Finep para o BRDE, cuja estrutura parece responder melhor às necessidades do setor, mas ainda faltam diversas alterações no mecanismo, como a aprovação automática de projetos.

Manoel Rangel deu uma advertência às empresas do setor quanto ao preço pago por canais e por conteúdos. Segundo ele, é preciso uma atenção das empacotadoras no equilíbrio no custo e no valor pago pelos canais, de forma a viabilizar bons canais de programação. ÀS programadoras, afirmou não ser aceitável comparar o custo de conteúdos amortizados em outros mercados com o conteúdo nacional original.

Questionado por este noticiário, Rangel afirmou que a Ancine não atuará para regular os preços praticados no mercado de conteúdo e de canais. “Isso não quer dizer que não notamos as distorções”, disse.

Exportações

Para a Ancine, é uma questão estratégica internacionalizar a programação de tv brasileira. “Há uma busca na internacionalização da obra brasileira. O caminho seguido até agora é bom”, disse, citando as iniciativas de exportação de obras audiovisuais fomentadas pela Apex. “Mas constatamos que não há internacionalização de fato sem que se construam os canais de distribuição e escoamento desse conteúdo no mundo”, completou.

Segundo Rangel , há ativos que distinguem o Brasil, como a música e o futebol, além de uma capacidade em dramaturgia e documentários. ”Isto pode ser canalizado para que programadoras brasileiras se insiram em outros mercados”.

A primeira fase para a exportação de canais é ampliar o volume de produção, mantendo direitos livres para que sejam negociados em segundas etapas. É isso que está sendo buscado no atual momento do mercado, explica o presidente da agência reguladora.

“Numa segunda fase, será necessário envolver diferentes órgãos públicos no sentido de abrir espaço para estas programadoras no exterior. Elas terão de ser capazes de ser um desaguadouro desta ampla variedade de conteúdos produzidos aqui e ter a capacidade de customizar os canais, contando com recursos que podem vir do BNDES, por exemplo. São tarefas que se colocam no horizonte. As programadoras devem trabalhar com este horizonte, enquanto vamos trabalhando nas outras fases”.

Desenvolvimento municipal

Juca Ferreira, secretário municipal de cultura de São Paulo, e Sergio Sá Leitão, secretário municipal de cultura do Rio de Janeiro, mostraram que as duas cidades vão investir para fortalecer ainda mais as indústrias locais de produção.

O Rio de Janeiro, grande exemplo nacional de políticas publicas para o audiovisual, apontou alguns dados sobre o trabalho que vem desenvolvendo. Entre 2009 e 2012, a RioFilme, empresa carioca para investimento em cinema, investiu cerca de R$ 100 milhões em 252 projetos audiovisuais, sendo que R$ 26 milhões vieram das receitas de 32 projetos reembolsáveis. Considerando apenas projetos reembolsáveis, o investimento resultou em um aporte de R$ 540 milhões ao PB nacional, criação de 8.340 postos de trabalho e vendas de 38 milhões de ingressos.

A RioFilme também investe na construção de dois polos audiovisuais (um na Barra da Tijuca e outro em São Conrado) e em capacitação profissional. Em 2013 lançou linhas de investimento automático tanto para a produção cinematográfica quanto para a televisiva, em que o critério para a liberação de verba é o desempenho da produtora. A linha foi lançada em março e até o momento foram investidos é o momento foram investidos 6,5 milhões em projetos de séries de Tv. No total, foram 11 projetos inscritos e habilitados, sendo seis documentários, quatro ficções e uma animação, envolvendo oito produtoras, sete canais e quatro programadoras.

Rodrigo Guimarães, gerente de investimento da RioFilme, que apresentou os dados no Fórum Brasil, acredita que há espaço para uma interação entre Rio de Janeiro e São Paulo, o que já teria começado, com uma troca de experiências no audiovisual entre as duas cidades. “O grande desafio agora não é o dinheiro, mas os meios de produção”, disse.

Juca Ferreira, que assumiu este ano a Secretaria de Cultura de São Paulo, disse ter ficado surpreendido com a “fragilidade” da secretaria e de outras estruturas públicas de cultura. “As coisas estão andando mais devagar do que eu gostaria, não há profissionais suficientes, os equipamentos estão exauridos”, observou, acrescentando que o principal instrumento de sua gestão para fortalecer o audiovisual paulistano será o diálogo.

De fato o secretário tem discutido o tema com produtores audiovisuais paulistanos e já fala na criação de uma agência de fomento (ainda sem nome, mas possivelmente SP Filmes ou SP Cine) e soluções para a estruturação de uma film commission que possa facilitar o trabalho de quem decidir filmar na cidade. No entanto, Ferreira acredita que há questões mais profundas a serem tratadas. “Tenho dúvida se o maior estrangulamento é o recurso. Acho necessária a construção de uma política. Tem como criar uma política e ter a agência como principal instrumento”, destaca.

Nacional

A Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura também apresentou seus esforços para o setor de produção de Tv. Além de um pacote de editais previstos para julho, ela lançará um curso voltado para o desenvolvimento de roteiros de séries de televisão, que terá aulas presenciais e online e tutoriais para s autores dos projetos selecionados. O secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, Leopoldo Nunes, afirmou que a formação é uma das questões que devem receber atenção em sua gestão. A SAv também lançará um curso de preservação.

Para julho estão previstos o lançamento dos editais de longa-metragem de baixo orçamento, curta-metragem, DOC TV, Curta Criança, Curta Animação, AnimaTV, EtnoDoc, Audiovisual sem Fronteiras (para alunos e professores de cursos do audiovisual), Carmem Santos (voltado para mulheres e estruturado em parceria com a Secretaria de Políticas para Mulheres), o Edital Copa (para a produção de filmes relacionados ao futebol nas doze cidades-sede da Copa do Mundo de 2014), edital de difusão e edital de preservação do audiovisual.

Capacitação

Um dos temas mais debatidos no Fórum foi a falta de mão de obra qualificada para atender à demanda por produção original, sobretudo na área de criação, particularmente roteiros. Não que faltem roteiristas no país, mas uma das conclusões dos painéis foi de que o roteirista brasileiro, formado na escola de cinema, ainda não se acostumou a trabalhar com televisão.

Segundo Jacqueline Cantore, da Global Civic Media, executiva com experiência internacional em produção e programação de TV, que vem trabalhando no programa de capacitação de roteiros desenvolvido pela Globosat, não adianta se ater ao “mantra da falta de roteiro”. “É necessário um conjunto de roteiristas em cada projeto, e não um único autor para tudo, e também um ‘show runner’ “, disse, citando uma figura que é comum nas produções norte-americanas, mas ainda desconhecida por aqui. “Ele é alguém que acompanha o roteiro, mas tendo o orçamento e o mercado em mente”. Para Jacqueline, não faltam roteiristas, mas profissionais mais capacitados. “Precisam melhorar o texto e aprender a pensar mais na audiência”

Para o produtor independente Paulo Boccato, da Glaz, além de pensar na audiência tradicional, os profissionais precisam aprender a lidar com a extensão da audiência m outras plataformas. “Há uma nova era. ‘Mad Men’ e ‘Community’ não são grandes cases de audiência, mas levam em conta a exploração em outras plataformas e mercados”, xemplifica. “Precisamos explorar isso aqui”.

Para Hugo Janeba, CEOM da Mixer, outro desafio para as produtoras no momento é conseguir dar uma vida longa a seus produtos. “Temos que buscar as segundas temporadas. Para isso, os clientes têm que estar satisfeitos, o que depende do comercial, da audiência etc. Prazos, qualidade, audiência, grade, são todos temas que precisam entrar na nossa realidade, não apenas se ater ao orçamento”, disse.

Segundo Carla Affonso, da Zodiak, o Brasil já quer explorar os seus formatos, que estão sendo levados às feiras internacionais. No entanto, segundo a ela, é difícil fazer uma venda oferecendo apenas um produto. “Não dá para chegar em um canal com um formato, é preciso um catálogo”. Além disso, “para o formato dar certo, precisa ser pensado no mercado global já na sua concepção”.

Mercado Financeiro

Christian de Castro, consultor para mídia, entretenimento e conteúdo da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), apontou no evento que o mercado investidor está olhando com bastante curiosidade para o mercado de produção audiovisual devido às oportunidades para o setor que apareceram com a Lei do SeAC. “Aqui dá pra produzir uma série inteira com o mesmo valor de um piloto do mercado americano e ainda testar internamente o conceito para levar para o mercado internacional”, observa Castro.

O consultor destaca que embora haja interesse, as produtoras precisam aprender a “fazer contas”, e estruturar seus planos de negócio de uma maneira que faça sentido para o investidor.

Infantil

O Fórum Brasil de Televisão contou mais uma vez, em parceria com o comKids, com debates específicos sobre a produção de conteúdo para o público infanto-juvenil.

O conteúdo transmídia é indispensável na apresentação de projetos de séries e programas de Tv voltados para este público. Essa foi a opinião unânime dos participantes do painel que contou com o diretor criativo e sócio do chileno Zumbástico Estúdos, Alvaro Ceppi, o produtor da canadense Apartment 11, Jonathan Finkelstein e Melina Manasseh, produtora executiva e sócia priprietária da 44Toons.

De acordo com Melina, “o maior dos desafios é, desde o começo do desenvolvimento, considerar, dentro do produto que você está criando o projeto multiplataforma”. De acordo com ela, no Brasil, a maioria dos canais pede por jogos como extensão do conteúdo televisivo.

Para Finkelstein, pensar com antecedência no projeto multiplataforma, além de ser uma exigência dos canais, é uma maneira de criar conteúdos que interajam entre si. “O conteúdo digital deve ser pensado no início do desenvolvimento de qualquer projeto”, diz. “Para um conteúdo multiplataforma ser bem sucedido as plataformas devem se completar, cada uma oferecendo parte da experiência”.

Outro desafio que testa a criatividade dos produtores é o fato de que o conteúdo digital dificilmente gera lucro, diz Finkelstein. “Dificilmente, praticamente nunca, você vai ter lucro com esse conteúdo. Você precisa estar presente nessas plataformas, mas não vai realmente ganhar algum dinheiro com isso”, diz. De acordo com ele, isso limita a capacidade de financiamento desse conteúdo, e exige projetos criativos com orçamentos relativamente baixos.

No programa “Finding Stuff Out”, um dos projetos apresentado pelo canadense no painel, usuários mandavam vídeos com perguntas para uma plataforma digital. Esses vídeos serviriam, depois, para pautar os temas abordados pelo programa educativo. “Esse foi o primeiro caso em que tivemos que desenvolver um programa olhando para o orçamento, com o dinheiro dos fundos e desenvolver um programa pensando ter que custar só isso”, disse Finkelstein.

Para Melina, a falta de incentivo público para a produção de conteúdo digital é um dos maiores obstáculos para sua produção no Brasil. ”As produtoras pedem para você ter o projeto, e você pode até tê-lo, mas produzi-lo é m desafio muito grande”, disse. “Você precisa produzir o conteúdo digital com um orçamento que contempla apenas a produção tradicional”.

De acordo com Finkelstein, no Canadá a presença de conteúdo interativo é uma exigência para que um programa de Tv, por exemplo, possa usar o Canadian Media Fund, fundo nacional para a produção de mídia. Além disso, uma vez que tenha o projeto avançado, o produtor pode usar outro fundo para financar a produção do conteúdo digital especificamente.

No Chile, diz Alvaro, o valor da produção do conteúdo digital também não pode ser incluído no valor financiado por fundos governamentais. “Creio que é um erro, pois assim como no Canadá, não conseguimos mais fazer projetos que não contemplem conteúdo em plataformas digitais”, disse.

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