Tela Viva: Entrevista com Juca Ferreira


O secretário municipal de Cultura, Juca Ferreira, conta o que tem sido articulado para que São Paulo dê a volta por cima em políticas públicas para o audiovisual.

Publicado originalmente na Revista Tela Viva.

Edição de maio de 2013.

Por André Mermelstein e Fernando Lauterjung



O título desta entrevista é uma homenagem a Paulo Vanzolini, ícone da cultura e da ciência paulistanas, morto esse ano, mas também reflete o espírito que transparece da conversa com o novo secretário municipal de Cultura da capital paulista, Juca Ferreira.

No cargo desde janeiro, o ex-ministro da Cultura encontrou uma secretaria com orçamento reduzido e desaparelhada para formular políticas para o setor.

No momento em que cresce a produção nacional, sobretudo para a TV, com o impulso da lei do SeAC, Ferreira tem a missão de tirar a cidade da inércia e implantar uma nova visão, que retome o caminho do crescimento para o audiovisual.

Tarefa difícil, para a qual o secretário conta com o apoio de outras forças, como o governo do Estado e federal, e o apoio irrestrito do prefeito.

Nessa entrevista exclusiva ele fala em detalhes da principal iniciativa de sua gestão na área de produção, a criação de uma agência de fomento municipal que faça frente aos desafios da cidade.



Tela Viva- Qual o seu diagnóstico da situação que encontrou na secretaria, em relação ao audiovisual?

Juca Ferreira: O audiovisual em São Paulo talvez seja o mais desenvolvido do Brasil, se analisado em se conjunto, pela quantidade de empresas, de volume de produção.Mas tem estrangulamentos importantes, e percebi que falta uma política pública de fomento e de apoio. A secretaria tinha muito pouca coisa, e estamos construindo uma política pública, pensando até em termos muito ousados.

Em que se baseia essa política?

O ponto central é a criação de uma agência de fomento na cidade, mas não é uma agência isoladamente. Queremos atuar em todos os elos da cadeia. Por exemplo, na área de formação, existe uma carência crônica em cargos qualificados, de técnicos, por exemplo, de roteiristas. Na área de promoção também, o cinema paulista precisa de uma promoção muito mais forte. E apoio à produção também. Quando a gente fala em audiovisual e cinema, há uma diversidade de interesses, de modos de produção, de modelos de negócio, de organização, de linguagem. A gente quer fazer uma política que contemple essa diversidade, não dá para ter várias políticas diferentes. Tem que atender às demandas complexas do audiovisual, de grandes produtoras, de pequenas produtoras, dos filmes mais autorais, dos filmes voltados para o mercado, à distribuição...

Não queremos substituir a iniciativa privada, pelo contrário. Vamos criar instrumentos de fomento e de incentivo para que a atividade caminhe na direção de ser sustentável, que dê lucro, empregue as pessoas, seja um elemento culturalmente importante.

Qual será a forma de atuação da agência? É um órgão de fomento?

Ainda estamos desenhando, mas é sim uma agência de fomento, que teria recursos para alavancar o apoio aos diversos níveis, à produção, formação, distribuição. O que não couber na agência será feito pela Secretaria. Por exemplo, a film commission.

Qual a ideia para essa film commission?

Os produtores reclamam que é muito difícil filmar em São Paulo, que é bem mais fácil no Rio de Janeiro, por exemplo. Vamos desenvolver a film commission para facilitar isso. Talvez nem esteja debaixo dessa agência, pode ser que fique com a Secretaria, porque é uma atividade com outros setores da Prefeitura, como a autoridade de trânsito, polícia (Guarda Civil).

Na área de capacitação, a agência faria isso diretamente, promovendo recursos, ou seria através dos agentes privados que já existem?

Não estamos pensando numa agência finalística, mas em uma agência de fomento. As atividades finais devem ser feitas na maioria das vezes pela iniciativa privada, pelos cineastas, produtoras, distribuidoras.

Vocês têm um modelo em mente, alguma referência nacional ou internacional, para essa agência?

A RioFilme é uma referência. Evidentemente temos que adaptar à nossa situação e capacitar essa agência para desenvolver a política cultural para o audiovisual que nós estamos pensando em fazer em São Paulo. É uma boa referência, porque eles já existem há um tempo, cometeram alguns erros, e já corrigiram.

A RioFilm é originalmente uma distribuidora. A agência paulistana também terá essa função?

Eles foram se modificando, virando uma agência de fomento, tem sido uma alavanca importante. Nós teremos uma relação boa com a Ancine, com o Ministério da Cultura, mas não queremos repetir o que já é feito por estes agentes, a gente quer somar e articular o máximo possível. O governador (de São Paulo, Geraldo Alckmin) já declarou interesse em participar da iniciativa, queremos ver se atraímos também Senac, Sesc, todos os que podem aportar contribuições, inclusive com recursos.

Em princípio não atuará como distribuidora. A ideia é estimular, e onde houver vazios, insuficiências ou estrangulamentos a gente atua de maneira a permitir que aquele segmento tenha um desenvolvimento.

Além da mão de obra, há também uma carência de infraestrutura na cidade. Temos muita coisa, mas já faltam, por exemplo estúdios, em muitos casos. Vão atuar nisso também?

A gente vai estimular, pode ser até linha de fomento, vou conversar com o BNDES, dar apoio, financiamento. A gente entende que a infraestrutura precisa ser potencializada.

Envolverão outras áreas da prefeitura também, por exemplo cedendo terrenos para a instalação de estúdios, concedendo alvarás?

Sim. O que for conveniente instalar aqui no Centro a gente vai procurar adequar. O que não precisar ser no Centro a gente vai localizar em outras áreas da cidade. Não é uma política da Secretaria de Cultura, é da Prefeitura, está integrada, o prefeito (Fernando Haddad) está mobilizado. Ele quer estar presente, por exemplo, no diálogo com o ministério (da Cultura), com o Sesi, o Sesc. Vamos botar toda a força da Prefeitura e mobilizar as outras secretarias.

O projeto da agência, então, se encaixa dentro da política urbana de São Paulo, em projetos como o do Arco Futuro?

Sim, e o momento é muito conveniente, porque se está discutindo o novo Plano Diretor da cidade, o zoneamento, a adequação das atividades. Isso não é só com o cinema, mas também com a moda, trazendo a promoção para o Centro e deixando a produção nos bairros.

A cidade já tem uma certa geografia do audiovisual, com concentração de empresas em algumas áreas. Isso não é à toa, e a prefeitura vai considerar essa adequação, partindo do que existe e do desenvolvimento urbano previsto.

O fomento provido pela agência será todo de âmbito municipal?

Não, o governo do Estado já mostrou interesse em participar. Podemos montar uma grande parceria em torno do fundo que essa agência vai manejar. Esse fundo vai buscar compartilhar (o aporte) com outras instâncias que queiram participar.

Mesmo com toda a oferta de recursos que existe hoje, com Fundo Setorial e outros mecanismos, vocês detectaram uma carência de funding para a produção?

Eu acho que é um problema, mas talvez não seja o maior. Alguns cineastas se concentram excessivamente na questão dos recursos. Mas eu acho que a gente devia abrir o foco e perceber que são muitos os estrangulamentos. Talvez a gente nunca tenha tido tantos recursos disponíveis.

Parte dos recursos que nós vamos mobilizar são esses que já existem, Lei do Audiovisual, Fundo Setorial, BNDES. A agência tem tudo para buscar uma parceria.

Para quando deve sair essa agência?

Estamos trabalhando com o prazo de sair ainda no primeiro semestre. O prefeito me deu um “dever de casa” de desenvolver um diálogo com a categoria e também com a área técnica da secretaria, para avançar rapidamente na formatação da agência. Espero ter o projeto até o final de maio e do jeito que o prefeito está mobilizado, isso deve ir imediatamente para a Câmara dos Vereadores.

Existe uma certa urgência, não? Até pela “competição” com o Rio, que tem sido muito ativo na promoção do audiovisual na cidade...

São Paulo se atrasou, a verdade é essa. Não encontramos uma política no Estado e nem no município, e os estrangulamentos são evidentes. Só o fato de ser dificílimo filmar aqui já demonstra que é necessário desenvolver rapidamente uma política.

Agora, eu proponho que a gente substitua essa “concorrência” por uma cooperação, no sentido de montar um sistema nacional que de fato seja sinérgico, que comporte as devidas diferenças, mas que gere um sistema brasileiro de produção, distribuição e exibição, e que esse sistema possa dialogar com sistemas internacionais, como o latino-americano, constituir um mercado comum cultural.

Isso é genial e o Brasil nunca experimentou isso num sentido pleno. Os pequenos gestos e ações simbólicas cumpriram seu papel. Agora é hora de pensar grande.

São Paulo tem uma responsabilidade de liderar a criação dessa nova cartografia do audiovisual. Sou absolutamente otimista, nunca tivemos tantas condições.

O que acontece com a estrutura atual da Secretaria de Cultura, que já tem inclusive um escritório, o ECine, para a atividade de produção audiovisual?

Vai ser adaptada. Estamos remodelando a secretaria. Estou mandando um projeto de reforma para o prefeito, para o segundo semestre. Aí, falando não só sobre audiovisual, mas sobre tudo. A secretaria tem uma estrutura exótica. Tem o secretário, o adjunto, o chefe de gabinete e cento e tantos equipamentos, sem uma estrutura de gestão. Uma biblioteca não dialoga com outra, não há política de livro e leitura no município. Então as bibliotecas ficam esperando que as pessoas venham pedir livros, quando temos toda uma possibilidade de fazer com que a leitura cresça. Livroé um exemplo, mas em todas as áreas temos uma demanda de outro tipo de secretaria.

Os recursos para a agência e o fundo virão do orçamento da secretaria ou de outras partes?

Virão de orçamento, de cooperação com o governo do Estado, com a Ancine, a SAv (MinC) e outros agentes. Vejo um fundo que tem condições de alavancar até recursos privados. Até fazer coprodução, via Funcine e vários mecanismos. Tem que ser uma estrutura leve, de baixo custo, com o mínimo de pessoal possível, mas utilizando todos os mecanismos possíveis.

A secretaria perdeu muito recurso (orçamento) no último ano. Pretende recuperar?

Encontramos uma secretaria muito desaparelhada. No último ano o orçamento era de 1,3% do total municipal, este ano é de 0,9%. E isso não só para o funcionamento da secretaria, mas para todos os equipamentos, inclui o custeio (de bibliotecas, museus, etc). Confesso que me surpreendi, esperava que a cidade e o Estado tivessem uma estrutura cultural melhor do ponto de vista público. É uma cidade com uma criatividade enorme., uma arte vibrante, uma potência em áreas como arte contemporânea. Mas a estrutura pública e o desenvolvimento de políticas ainda são muito embrionários.

E existe um compromisso do prefeito com o setor?

Total. Foi promessa de campanha e ele tem reiterado que a cultura faz parte de seu programa de desenvolvimento para a cidade. A Câmara (dos Vereadores) tem se mostrado também muito receptiva e predisposta a ser um baluarte dessa política. Tenho expectativa de que, se não for por unanimidade, a aprovação dessa política será por maioria absoluta, tal clima é favorável.

Em termos de linha de ação, e fazendo novamente a comparação inevitável com o Rio, você pretende fazer uma gestão, como a da RioFilme, de apoiar mais filmes com potencial de mercado, filmes que buscam o público?

Não existe essa dicotomia entre filme de mercado e filme autoral. O bom filme de mercado é aquele feito com boa linguagem, bom roteiro, atores de qualidade e que desperta o interesse de parcelas significativas da população. O filme “linguagem” tem menos busca de mercado, mas se concentra na linguagem, na experimentação. Um é complementar ao outro, o mercado acaba se beneficiando das experiências de linguagem, e estas também são um mercado, o cinema “cult” tem um público e circuitos importantes, isso em vários países do mundo.

O problema que eu vejo é que o estado há algumas décadas assumiu uma responsabilidade junto ao cinema, mas acabou desenvolvendo uma política sem metas, indicadores. A disponibilização do recurso público tem que ser acompanhada de uma responsabilidade de que aquilo de fato terá um impacto na atividade audiovisual. A dificuldade é a superação de um certo patrimonialismo, uma dependência do recurso público, que leva a um descuido na construção de um público, e a perda de critério na avaliação do que é feito.

Às vezes não é filme de linguagem e nem de mercado, porque os critérios andaram frouxos. Temos que ter uma visão de conjunto, mas óbvio que o cinema brasileiro precisa conquistar mercado, aumentar seu público dentro do país.

E em relação ao parque exibidor paulistano? Existe alguma forma de incentivar?

Acho que já bateu fundo, com o fechamento dos cinemas de rua etc. Mas isso já está se revertendo, encontrei cinemas que estavam fechados sendo recuperados, temos os cinemas dos CEUs (escolas municipais de tempo integral), as casas de cultura, dá uma rede de exibição razoável. Cabe na política do audiovisual apoiar a abertura e manutenção dos cinemas de rua. Se tudo correr bem, anunciaremos em breve a reabertura do Belas Artes, que é um símbolo desse movimento (complexo de rua de São Paulo desativado em 2011 por desacordo com o proprietário do imóvel).

Agora, eu não penso em cinemas estatais. A prefeitura vai estimular, ceder terrenos, agilizar as licenças, dar isenções etc. Pensamos em abrir pelo menos dez salas na periferia.

Como será a film commission, vai apenas facilitar a produção ou também vai “vender” a cidade para a produção internacional?

É mais que isso. Tenho estimulado o prefeito a abrir uma discussão, inclusive com outros secretários, sobre a valorização da marca de São Paulo. O Rio de Janeiro, além da política audiovisual, tem trabalhado o fortalecimento da marca da cidade. O Rio tem qualidades intrínsecas, como sua beleza. São Paulo também tem qualidades, é uma das maiores cidades do mundo, tem uma noite maior que a de Nova York, conforme ouvi até de diplomatas, temos museus, centros culturais, temos a Virada Cultural, cabe uma discussão da marca e uma política.

Faz parte disso aumentar o interesse de trazer filmes estrangeiros para filmar aqui. Vamos chegar lá, vender a cidade no exterior, mas não só para filme, e sim como um todo.

São Paulo precisa fazer alguns movimentos. O primeiro é se assumir, mostrar que não é só trabalho, tem atividade, tem uma cultura contemporânea imensa. Tem cultura de rua, grafite, uma cultura de periferia fortíssima. Precisamos descriminalizar as atividades culturais. Vamos organizar o carnaval de rua da cidade, que até então era proibido!

São Paulo tem que fazer as pazes com o Brasil, esquecer ( a revolução de ) 32, se colocar de frente, ser a plataforma de lançamento da cultura brasileira para o resto do mundo.

Em vez de se comparar o tempo inteiro com Nova York, deveriam assumir uma liderança cultural na América Latina. A cidade já tem essa articulação na área econômica, mas na área cultural ainda é provinciana.

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