Tela Viva: TV com pinta de internet


IPTV oferece a possibilidade de operadores diferenciar serviços, atrair clientes e competir com OTTS, mas demanda investimentos e planejamento


Publicado originalmente na Revista Tela Viva

Edição de Julho de 2013

Leandro Sanfelice



Impulsionadas pelas novas condições de distribuição trazidas pela Lei 12.485/11, que instituiu o Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) e estabeleceu o novo marco para o setor de Tv paga, operadoras brasileiras começaram a lançar em 2012 seus serviços de IPTV, tecnologia que possibilita a transmissão da programação da televisão usando a rede de dados e o protocolo de internet. Até o momento, Vivo, Oi e GVT já lançaram suas plataformas.

Unindo características da televisão e da internet, o IPTV permite a interação entre a programação da Tv, os múltiplos dispositivos móveis presentes nas casas dos assinantes, a oferta de serviços como o VOD (vídeo-on-demand) e a interatividade em tempo real com redes sociais, como Facebook e Twitter. Por isso, a tecnologia é vista por operadoras e fornecedores como uma maneira de diferenciar serviços, atrair novos assinantes e competir com plataformas OTT (over-the-top, serviços de vídeo oferecido por provedores que não têm rede própria e trafegam sobre a rede de terceiros, como o Netflix e Youtube). Comparado com serviços de vídeos lançados na internet como o Netflix, o IPTV oferece a vantagem de garantir a qualidade na entrega do vídeo, pois não utiliza rede pública da internet, mas as redes proprietárias, e, portanto, de qualidade controlada, das operadoras de telecom. “As empresas de serviços de VOD na internet não são donas da rede de transmissão, elas oferecem conteúdo que vai trafegar nas redes das operadoras. No meu caso, eu sou o dono do ‘tubo’, e posso garantir a passagem do conteúdo de vídeo”, explica o diretor de marketing da Vivo em São Paulo, Gustavo Fonseca.

Contudo, o serviço demanda investimentos na rede para suportar o tráfego de vídeo em HD, e futuramente em 4K e até 8K (ultra high-definition). Além disso, com a possibilidade de usar a rede para oferecer novos features, programadores, operadoras e fornecedores ainda buscam a melhor forma de entregar conteúdo diferenciado e atrativo para o cliente. As vantagens mais comuns nos serviços de IPTV atuais são a rápida mudança de canais, serviços de VOD, gravação de programas com possibilidade de assistir em qualquer ambiente da casa, extensão do conteúdo da TV em tablets e smartphones, conteúdo de portais de Internet na TV e interatividade com aplicativos e redes sociais.

“Para investir em IPTV é preciso ter capacidade para atender assinantes simultaneamente, e a demanda só vai aumentar conforme aumenta a qualidade do vídeo”, diz o vice-presidente de inovação da Ericsson, Jesper Rhode. Para ele, o investimento em IPTV permite que as operadoras ofereçam serviços convergentes e aumentem a retenção de clientes. “Com serviços mais integrados, unindo TV, telefonia e internet, a operadora oferece um perfil de serviço mais completo ao usuário, e isso é importante, porque cada vez que se perde um cliente é preciso fazer um investimento para compensar.”, diz. A fornecedora adquiriu recentemente a plataforma de IPTV Mediaroom, da Microsoft. A aquisição garantiu à Ericsson uma participação de mais de 25% no mercado de soluções de IPTV e multitela do mundo. Mediaroomm é o middleware escolhido para as plataformas de Tv paga por protocolo I nas operadoras brasileiras Vivo e Oi, além a AT$T, Deutsche Telekom, Portugal Telecom, Telefónica, Telus, Swisscom e cerca de outras 20 operadoras ao redor do mundo.

“O principal desafio é garantir a qualidade e a integração com os outros dispositivos da casa”, diz o CTO para os mercados da América Latina da Arris, Patricio Latini. “O cliente espera ter, no mínimo, a mesma garantia na entrega do serviço que tem no cabo e no DTH”, completa. De acordo com ele, a última milha é onde as operadoras precisarão fazer mais investimentos. No caso de Oi e Vivo, a solução encontrada foi oferecer o serviço de IPTV com FTTH (fiber-to-the-home), levamdo fibra ótica à casa do assinante. “É um investimento alto, mas tomamos essa decisão pensando nos serviços que queremos oferecer agora e também nos que surgirão no futuro”, pondera Fonseca, da Vivo. Com a fibra, diz, leva-se para a casa do cliente também conexões de 200 Mpbs e que podem evoluir para até 1 Gbps, abrindo espaço para ofertas de triple play e mais interatividade. “Conforme abrimos essa velocidade, diversos serviços vão surgir. Não faz muitos anos, 1 Mbps era considerado uma velocidade muito grande, mas novos serviços surgiram e hoje se discute até se isso é banda larga. O ‘giga’ é o novo ‘mega’ “, conclui.

Sobre a possibilidade de levar o conteúdo ao vivo da TV para os tablets, o diretor da Vivo diz que é preciso fechar modelos de negócios que beneficiem operadoras e programadores. “Precisamos discutir como fica isso, porque nós pagamos para os programadores de acordo com número de assinaturas. O conteúdo no tablete vai contar como um ponto adicional?”, questiona. De acordo com ele, esse tipo de negociação é comum quando se quer oferecer novos serviços. ”É uma discussão interessante, sempre que se lança algo novo há a vontade de se beneficiar com a novidade, mas também a cautela de não perder o que já se tem. No fim, precisamos de modelos em que todos ganhem, e não onde um ganhe tirando do outro. “As negociações para oferecer conteúdo publicitário complementar e venda de produtos relacionados aos programas na segunda tela passam pelo mesmo processo. “Para nós é ótimo que um programador queira estender sua publicidade para outros dispositivos usando nossos serviços, mas, antes de tudo, a publicidade é uma receita dele”, diz.

A integração entre dispositivos passa também pela evolução do Wi-Fi. “Estamos buscando evoluir nossos roteadores para oferecer uma velocidade praticamente igual á que chega pela fibra”, diz Fonseca. De acordo com Patricio Latini, a Arris está se preparando para essa demanda. “Hoje temos tecnologia de Wi-Fi que atinge velocidade muito próxima à da que chega pelo cabo. A tecnologia já está pronta e a estamos demonstrando para as operadoras”, diz.

Convergência

Em uma realidade na qual a programação da TV passa a ser transmitida na mesma rede e com os mesmos protocolos que os dados da internet, os diversos dispositivos usados para prover serviço na casa dos clientes podem estar com os dias contados. De acordo com Latini, a tendência é que s serviços de banda larga e Tv concentrem-se todos em um projeto para isso. A tendência é que as casas tenham um único home gateway multimídia, capaz de gerenciar os serviços e distribuir o conteúdo para todos os dispositivos”, dz.

Para o consultor de vídeo da Cisco, Hugo Marques, essa transformação, a aliada a investimentos em nuvem, permitirá economia na atualização de dispositivos. “Antes, se você quisesse mudar de SD (standard definition) para HD (high definition), precisava trocar o et-top box. Agora se tiver um home gateway inteligente fazendo a distribuição, eu elimino essa necessidade”. Para ele, a evolução do serviço demandará investimento em CDN (content distribuition network), redes inteligentes de distribuição de conteúdo, e armazenamento de conteúdo na nuvem. Dessa forma, diz, é possível economizar com investimento no backbone das redes e ter maior flexibilidade para atender picos de demanda. “Pode-se armazenar o conteúdo sob demanda em nuvem e distribuí-lo conforme ele é demandado, reservando espaço para o que for ao vivo nas redes multicast. E levando o conteúdo para mais perto da demanda, é possível reduzir o investimento em rede”.

Ele destacou a possibilidade de usa tecnologias de SSO (Single Sign-on), como reconhecimento facial, para identificar quem é o assinante usando o dispositivo e recomendar conteúdo. “Isso, unido a uma série de dados e ao armazenamento na nuvem, permite que eu recomende conteúdo para cada usuário. Será uma evolução dos serviços de IPTV convencionais para um serviço mais avançado”.

De acordo com Patricio Latini, a evolução do serviço será gradual, dependendo, principalmente, do quanto o cliente estiver disposto a pagar pelo serviço. “Em mercados cm maior poder de compra, a evolução é mais rápida”. A operadora depende da disposição do cliente adquirir novos serviços, e nós da disposição da operadora para investir. Não é algo que acontecerá de uma hora para outra, como virar uma chave”, diz.

No fim, vemos que é todo um ecossistema com três pontas: fornecedor, operador e programador trabalhando para entender o que o cliente, no centro, demanda”, diz Gustavo Fonseca.

Comentários