Uma TV para o cinema "SANGUE NACIONAL"

 

Diretor-geral e sócio do Canal Brasil, empresa que completa hoje 15 anos de transmissão, Paulo Mendonça já foi de programador da Marinha a compositor dos Secos & Molhados


Publicado originalmente no Segundo Caderno, Jornal O Globo

Quarta-feira, 18 de setembro de 2013, 06h51

André Miranda




O carioca Paulo Mendonça era programador de computadores na Marinha em 1973 e frequentemente participava de reuniões com tenentes, capitães e outros militares de alta patente. Numa delas, comentou-se bastante o sucesso que o grupo Secos & Molhados fazia. Alguns militares diziam que eram uma banda de "bichas", mas houve quem os acusasse de serem comunistas. Um amigo de Mendonça, então, colocou a mão sobre seu ombro e disse: "Então nós temos um comunista aqui".

Mendonça já foi jogador de futebol de salão e programador de computadores, já trabalhou no mercado financeiro, já foi funcionário da Marinha e das empresas IBM, SulAmérica e Eletrosul. Mas todas essas foram atividades assumidas um tanto pela necessidade e pela oportunidade profissional que surgiram, nem sempre por aptidão. Por paixão mesmo, ele compôs músicas, tirou fotos, escreveu roteiros e ajudou a tornar possível o sonho de uma emissora de TV voltada para o cinema brasileiro. Aos 65 anos, Mendonça é um dos sócios e diretor-geral do Canal Brasil, que completa hoje 15 anos de existência e terá, a partir de 26 de setembro, seu melhor presente: a marca de 12 filmes produzidos ou coproduzidos pelo canal exibidos na programação do Festival do Rio.

PROGRAMAS INUSITADOS

O Canal Brasil foi lançado em 18 de setembro de 1998 por Luiz Carlos Barreto, Zelito Vianna, Marco Altberg, Roberto Farias, Anibal Massaini Neto, Patrick Siaretta e Mendonça, nomes que se associaram à Globosat para tirar do papel a ideia do canal (hoje, André Saddy também é um dos sócios). Nos primeiros cinco anos, porém, a empresa funcionou no vermelho, e ainda ganhou uma fama incômoda que demoraria a se dissipar: um canal de filmes velhos - e muitos deles de conteúdo erótico.

- Nós tínhamos de cara 228 títulos, que eram de responsabilidade dos sócios. Mas eram filmes basicamente de acervo, e essa imagem de um canal velho não foi boa para a gente - lembra Mendonça. - Além disso, o canal nasceu torto, ficamos com uma dívida grande. Em 2003, nós negociamos essa dívida, com a promessa de pagá-la em dez anos. Em 2004, assumimos a gestão do canal, que até então era de responsabilidade da Globosat, e fizemos um novo planejamento. Três anos depois, a dívida estava paga.

Uma das primeiras ações de Mendonça como diretor-geral do canal foi evitar o que seria o padrão da televisão no Brasil. Foi assim, por exemplo, que nasceram programas inusitados, como o "Sem frescura", apresentado por Paulo César Pereio, e o "Espelho", de Lázaro Ramos.

- Nós fomos criando outros modelos, fazendo shows e produzindo filmes. Um exemplo para a gente é o que faz o canal francês Arte - diz Mendonça. - Outra vantagem foi a nova Lei da TV Paga. Pela necessidade das operadoras de terem um canal de conteúdo nacional, de 31 de outubro para 1º de novembro de 2012, nós fomos para os pacotes básicos de assinatura e pulamos de 3,5 milhões para 12 milhões de assinantes. Agora já temos 14,3 milhões.

O Canal Brasil, para Mendonça, remete ao início dos anos 1970, quando suas aspirações artísticas o deixavam dividido entre a segurança do trabalho e a carreira como compositor e cineasta. Durante três meses, em 1973, chegou a jogar tudo para o alto para compor e dirigir shows para o Secos & Molhados: são dele, em parceria com João Ricardo, canções como "Sangue latino" e "Medo mulato". Entre suas atividades, também escreveu, com Reginaldo Faria, o roteiro de "Pra frente, Brasil" (1982); escreveu para o teatro o musical "Sapatinho de cristal"; e fez as fotografias do livro de poesias "Sexo aposto", de Ricardo Bica de Alencastro.

Foi assim, alternando-se entre uma e outra atividade artística com empregos formais, que o Canal Brasil apareceu na vida de Mendonça.

- Eu casei com 20 anos, muito cedo, e precisava trabalhar para pagar as contas. Mas eu sempre voltava para a arte, até descobrir que podia fazer televisão como minha ocupação principal - conta Mendonça.

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