'The Voice Brasil' vira hit na TV e na web; produtores criticam estilo pasteurizado



Publicado originalmente no site: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada

Quarta-feira, 27 de novembro de 2013,

Isabelle Moreira Lima



O fenômeno se repete há quase dois meses. Se é noite de quinta-feira, a internet para: é dia de "The Voice Brasil", programa em que calouros são treinados, julgados e eliminados pelos cantores Claudia Leitte, Carlinhos Brown, Daniel e Lulu Santos.

Do microfone, saem clássicos do cancioneiro popular entoados por vozes afinadas e impostadas, que, por usar de artifícios como técnicas do R&B à la Whitney Houston mesmo em sambas de João Gilberto, soam iguais.

O vencedor leva R$ 500 mil e um contrato com uma gravadora. Até a final, assiste-se às performances entremeadas por relatos de histórias de superação e muitas lágrimas. Nesta quinta, um adicional: começa a fase ao vivo.

O programa, uma franquia holandesa que tem sua segunda temporada brasileira transmitida pela TV Globo desde 3 de outubro, virou uma febre nacional.

Desde 1º de outubro até ontem, foram publicados 1,1 milhão de tuítes sobre o programa, de acordo com a Tribatics, serviço de análise do microblog. O primeiro dia do "The Voice Brasil" teve o maior pico de tuítes por minuto (TPM), com 7,5 mil, contra uma média de 2,8 mil da final da primeira edição.

Dados do Ibope confirmam que "The Voice" é um hit.

Na semana de 4 a 10 deste mês, teve o terceiro maior público da emissora em SP, com 26 pontos (cada ponto equivale a 62 mil domicílios da Grande SP), média que mantém desde a estreia, atrás de "Amor à Vida" (37) e à frente do "Jornal Nacional" (25).

O "Big Brother Brasil 13" teve média de 24 pontos.

O programa não traz um formato novo, uma vez que shows de calouros vêm sendo reeditados desde os primórdios da TV brasileira. Então, o que explica a febre?

"[São] tantos bons artistas. A banda e os produtores musicais são excelentes, [há] um superpalco com estrutura de cenário e luz. Está ocupando o lugar dos saudosos festivais", diz Ellen Oléria, vencedora da primeira edição.

Oléria gravou um álbum neste ano e mantém uma agenda de shows que inclui o eixo Rio-SP, além de cidades do Piauí e do Maranhão. "'The Voice' foi um portal mágico que se abriu para mim."

Como Oléria, outros ex-calouros seguiram carreira. No Brasil, Thiaguinho, ex-Exaltasamba e ex-"Fama" (Globo), talvez seja o exemplo mais marcante. A maioria, no entanto, não deslancha.

PASTEURIZAÇÃO

O produtor musical Carlos Eduardo Miranda diz que a escolha majoritária por um estilo exagerado é o maior complicador das carreiras.

"Não é errado, é característico desse tipo de programa. Mas é um tipo de canto que não tem muito espaço no mercado. No Brasil, não se canta desse jeito em lugar nenhum. Talvez, na igreja", diz.

Para ele, o estilo que se vê na TV é como um solo de guitarra: "Ninguém aguenta o dia todo no rádio".

Nelson Motta, produtor e escritor, afirma que a popularização do R&B se dá pelo exibicionismo: as firulas, o fraseado sinuoso e os vibratos funcionam para "mostrar serviço com a voz".

"Se alguém vai cantar uma bossa nova seca ali, gilbertiana, não vai dar certo."

Para ele, cantoras como Nara Leão e Fernanda Takai não passariam no programa.

Para ele, é preciso de muito mais que a voz para dar certo --a equipe com quem se trabalha, o repertório e as escolhas importam muito.

Mas, segundo a Globo, nada além da voz conta --nem o perfil, nem a biografia. "Tudo é decidido apenas pela qualidade vocal. Em nenhum momento analisamos o candidato por qualquer outro fator", diz o diretor Boninho.

O problema aí ocorre quando calouros adotam um mesmo estilo e todas as vozes passam a soar iguais.

Sam Alves, participante desta edição do programa, rebate a tese e diz acreditar na individualidade dos participantes. "Podemos ter as mesmas influências, mas cada um tem algo diferente", diz.

Para André Midani, lenda da produção musical que presidiu a Warner nos áureos tempos da indústria fonográfica, esse é justamente o X da questão. "A força imitadora nunca se superpõe a força criativa. Eles são imitadores de imenso talento."

Comentários

  1. Não sei se é uma tendência dos realities shows brasileiros ou se estaria me precipitando mas, de fato, apenas Thiaguinho conseguiu alçar à carreira e se manter, sendo que nem foi o ganhador da edição do "Fama" da qual participou; Oléria, apesar da voz poderosa que a fez ganhar a primeira temporada do "The Voice Brasil", até a presente data, só possuía 3 shows na agenda até fevereiro de 2014. Dos muitos artistas saídos desses programas, no Brasil, talvez apenas a girlband 'Rouge' pode ser considerada um fenômeno; durante os 3 anos de carreira vendeu mais de 6 milhões de discos e lançou carreira internacional, até acabar em 2005, já passada a febre do primeiro ano." Br´oz", boyband saída, assim como o "Rouge", do "Popstars", fez sucesso significativo assim que saiu do programa. Com exceção destes 2 exemplos, não consigo lembrar de um artista saído de um reality musical brasileiro que tenha alcançado sucesso. Por carência de talento vocal certamente não foi, mas, como dito no texto, por falta de identidade com os gêneros populares brasileiros, que não comportam o estilo exagerado dos calouros, que, a bem da verdade, formam quase uma massa homogênea, sem grandes distinções entre si.
    No entanto, apesar de nenhum ter alcançado recordes de vendas, muitos seguiram carreira na música, alguns até apelando para estilos mais populares do que aqueles que adotavam na época de televisão, vide Hugo e Tiago, saídos do "Fama", no sertanejo; Thaeme, que venceu o "Ídolos" de 2007, e hoje faz parte de uma dupla sertaneja; Roberta Sá, do extinto "Fama BIS", na MPB; tirando dois, os outros 3 ex-integrantes do Br´oz escolheram o pagode e, relativamente, conseguiram o que almejavam.
    Definitivamente, o formato, no Brasil, funciona mais em termos de audiência do que em "criar" artistas, a longo prazo, para a indústria fonográfica.

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