Estreia de ‘Acerto de contas’, primeira série policial do Multishow, reforça popularidade do gênero


"A grande dificuldade de escrever série policial no Brasil é que a nossa polícia tem muito pouco prestígio", afirma Marcílio de Moraes

Publicado originalmente no site: http://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv

Sábado, 29 de março de 2014, 15h58

Thaís Britto




Sílvio Guindane tinha uma ideia há mais de dez anos: fazer um projeto que falasse de um anti-herói, usasse uma relação familiar forte e fosse ambientada no subúrbio, mas não na “favela que a gente está acostumado a ver nos filmes”, ele diz. Surgiu assim a série “Acerto de contas”, que o Multishow estreia nesta quarta, às 22h30. Na trama, Sílvio interpreta Dante, um homem que sai da cadeia disposto a se vingar das pessoas que destruíram sua vida depois de ficar sete anos preso. Entre os alvos estão seu próprio irmão, Quinho (Ângelo Paes Leme).

— Chamei o Leonardo Gudel, que comanda o roteiro e escreve a série comigo. Além disso, para dirigir, convidei o José Joffily, que conheço há muitos anos e tem muitos filmes neste estilo. Sabia que o Zé saberia falar desse assunto. Minha grande preocupação era não fazer só uma série de ação, do tiro pelo tiro. Tudo acontece através de uma discussão humana — explica Sílvio.

O programa marca a primeira investida do Multishow nas tramas policiais e é exemplo de como o gênero anda popular na TV brasileira. Na Globo, “O caçador”, que estreia dia 11, já chega na sequência de “A teia”, que termina nesta terça. Já a Record, que há tempos investe nas tramas policiais, promete para este ano uma segunda temporada de “A lei e o crime”, série de 2009 que trazia no elenco Ângelo e Sílvio, envolvidos agora com “Acerto de contas”. O canal MGM, que este ano também estreou nas séries policiais com “Força de elite”, garantiu uma segunda leva de episódios.

Sílvio diz que é possível ver o surgimento de uma produção de gênero mais forte no Brasil.

— Acho que, claro, a Lei da TV Paga está abrindo muitos caminhos, mas tem ainda outra coisa: o público está ficando mais exigente, e isso muda as coisas nas TVs aberta e fechada. Acho que as produções estão chegando com mais qualidade. Além disso, tenho visto uma inclusão maior de gente de cinema trabalhando em televisão. O mercado de cinema também mudou: não há mais espaço para filmes médios. Então há uma gama de profissionais caminhando para a TV.

Para Rogério Gomes, diretor de “A teia”, a novidade não é bem o gênero, mas a forma:

— As séries policiais sempre existiram na TV. Em 1979, por exemplo, a Globo produziu o “Plantão de polícia”, seriado de sucesso. A mudança fica a critério do formato: com um arco dramático aberto, deixando o gancho para o próximo episódio, mantendo uma única história sendo contada em diversas partes, e gerando diversas temporadas.

José Alvarenga Júnior, que divide a direção de “O caçador” com Heitor Dhalia, destaca que o crescimento da produção tem entre suas explicações o fator financeiro. E afirma que “com o barateamento que o mundo digital trouxe para a TV foi possível baixar custos e investir num gênero que é caro por natureza”. Além disso, ele crê que as séries policiais têm características que atraem o público em geral, mas já vê um jeito exclusivamente brasileiro nas produções locais:

— O gênero policial traz em si algo de game. Você joga com as expectativas do público o tempo todo. Esses elementos estão numa série policial feita na Dinamarca ou no Japão. O que caracteriza as diferenças é a personalidade do personagem. No caso do Brasil, o personagem normalmente se vê lutando sozinho, já que as instituições de segurança muitas vezes são frágeis e desorganizadas.

Autor de séries como “A lei e o crime” e “Fora de controle”, na Record, Marcílio de Moraes acha que é cedo para se falar num gênero policial brasileiro. Segundo ele, faz falta no país a tradição do romance policial na literatura, em comparação a países como EUA e Inglaterra, por exemplo. Mas são exatamente as peculiaridades brasileiras o maior desafio dos roteiristas que desejarem investir no gênero, na opinião dele.

— A grande dificuldade de escrever série policial no Brasil é que a nossa polícia tem muito pouco prestígio. É difícil você colocar o policial como herói. Existe muita corrupção, desvio de conduta e o índice de solução de crimes é baixíssimo. Para fazer uma série crível, verossímil, você tem que encarar isso. Não dá para colocar um monte de heróis, resolvendo crimes complicadíssimos, todos honestos. Neste sentido, talvez daí é que vá surgir um gênero policial genuinamente brasileiro.

Mesmo assim, o desejo do público brasileiro por justiça é um dos motivos do sucesso do gênero, de acordo com Marcello Coltro, vice-presidente executivo da Chello Latin America, dona da MGM:

— Existe um interesse pelas séries de ação e criminais e isso não é uma característica apenas do público brasileiro. Em pesquisas, a audiência se conecta positivamente aos temas relacionados à justiça e um desejo da vitória do mocinho versus o bandido. Isso vem desde os tempos do western e dos super-heróis.

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