‘Novela não é tese sociológica’, afirma Aguinaldo Silva, autor da próxima trama das 21h


Aguinaldo adianta detalhes de suas próximas obras, “Falso brilhante” e “Doctor Pri” e conta que sente falta de ver novelões na TV

Publicado originalmente no site: http://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv

Domingo, 09 de março de 2014, 08h00

Natalia Castro



Em 2001, Aguinaldo Silva escrevia “Porto dos Milagres” quando constatou que vivia um momento de infelicidade. Autor de sucessos como “Roque santeiro” (1985), “Tieta” (1989) e “A indomada” (1997), entre outros, ele percebeu que estava se repetindo. Entre desistir ou tentar algo novo, ficou com a segunda opção. Assim, se libertou de todos os “truques” para escrever “Senhora do destino” (2005), cuja audiência bateu os 50 pontos, "a maior do milênio", afirma, orgulhoso.

Após “Fina estampa” (2011), o autor já tem dois trabalhos engatilhados: a série “Doctor Pri”, que começa a ser gravada em abril, com Gloria Pires, e a novela “Falso brilhante”, com estreia prevista para julho, com Alexandre Nero e Lilia Cabral como protagonistas. Em seu escritório, em Copacabana, ele relembra fatos da carreira, esmiúça o processo de criação e adianta detalhes das próximas produções, em mais uma entrevista da série com autores iniciada em janeiro pela Revista da TV.

Quando tempo antes da estreia você começa a preparar uma nova novela?

A novela nasce de um processo muito longo. No caso de “Falso brilhante", li uma matéria sobre o roubo de diamantes em Bruxelas. Minha ideia era começar pela Serra Pelada, mas houve a série, e tive que mudar. Comecei a descobrir o garimpo de diamantes que sempre existiu aqui. Aí descobri que havia um garimpo de diamantes que produziu intensamente durante dez anos no alto do Monte Roraima. A primeira imagem que me veio à cabeça foi a de um helicóptero chegando lá no meio da bruma. É assim que a novela será aberta.

O que mais pode adiantar?

É sobre um homem que enriquece de maneira não muito tradicional, já que durante muito tempo contrabandeou pedras preciosas, e depois se estabeleceu como joalheiro. Ele é poderoso, comendador agraciado com a ordem do Cruzeiro do Sul, mas é rústico, não se educou, se aprimorou na vida. E para compensar esse lado menos refinado, ele se casou com uma aristocrata mais velha, de uma família falida, mas com pose. Neste momento, há uma disputa dentro da empresa porque ele precisa escolher qual será seu sucessor entre os três filhos. É um novelão. Quero fazer um novelão. Sinto falta.

Por quê?

As pessoas estão muito preocupadas com temáticas, com merchandising social. Novela é ficção. Novelão é o que se fazia antigamente, aqueles que eletrizavam o país, deixavam as pessoas enlouquecidas. Como “O astro" (1977) com o “quem matou Salomão Hayalla?”. Novela é isso, não é tese sociológica. E nem jornalismo, denúncia. Se você quer reportagem, vá assistir ao “Globo repórter”. Folhetim são tramas, histórias. Se não tem isso, fica “casal gay quer adotar um filho”.

Suas ideias vêm de onde?

As minhas histórias saem de algo real, de leitura de jornal ou revista. Leio a notícia e viajo na maionese, crio um enredo ficcionista, um bolo de noiva em cima de cinco linhas que li. Chamo isso de engordar. E as tramas vão surgindo, pois a novela precisa ter várias tramas que se cruzam. É um processo que acontece na cabeça. Quando sento para escrever a sinopse, tenho a história toda em mente. Acabei “Doctor Pri” na manhã de 24 de dezembro. Às 15h do mesmo dia, sentei e terminei a sinopse de “Falso brilhante”. Demorei 14 dias para escrever 90 páginas de sinopse.

Que tipo de sensação vem ao escrever o fim?

A sinopse é complicada porque é ela quem diz ao autor se a novela vai valer a pena ou não. Às vezes, você escreve e sabe que não vai funcionar. É terrível. Ou mexe ou parte para outra. O primeiro capítulo é mais técnico, onde você tem que pegar o espectador. Todo autor tem seus truques para segurar as pessoas.

E desenvolver as histórias, é trabalhoso?

Sempre trabalho com equipe grande porque acho que novela é uma viagem longa demais para ser feita sozinho. Além disso, quando você trabalha só, a tendência é partir para a primeira ideia. Dou total liberdade à minha equipe e sou vampiro: pego qualquer ideia. Essa primeira fase da sinopse e dos seis primeiros capítulos, faço sozinho. Traço um perfil alentado dos personagens: cada um precisa ser muito bem explicado porque é isso que vai aos atores. Eles sabem genericamente, mas não os detalhes. E se amparam na sinopse.

Como lidar com atores que reclamam durante a novela?

Nunca acho que o ator está errado. Se não está feliz, algo não está certo no texto. Imagina, o cara não vai reclamar de graça. Cabe a nós descobrir o porquê do descontentamento.

E você procura descobrir?

Vou contar uma história: Em “Senhora do destino", adorava o casal Gloria Menezes e Raul Cortez. Houve um momento em que a história começou a se repetir, aí, um dia, Gloria me ligou e sugeriu que eu os tirasse da trama. Legal, mas não dá para perder dois grandes atores assim. E não dá para passar semanas refletindo sobre o que fazer. Uma noite, pensei: “E se ela tivesse Alzheimer?” Algo que nunca havia sido abordado em novelas. No dia seguinte, escrevi a cena em que os dois estão deitados, e ela tem um branco. Gloria fez tão bem que eu juro para você, os olhos dela mudaram de cor! Nunca vi nada igual. Não dá para perder uma atriz genial dessas.

Como é sua rotina?

Fico em casa, sabe por quê? Se eu for a um jantar, vou beber. E se eu acordar passando mal? O grande pavor do autor de novelas é pegar uma gripe porque destrói. A primeira leva de autores veio do rádio, a segunda veio do jornalismo. Nos dois casos, há a necessidade da disciplina, do prazo. Essa terceira leva veio de não sei onde, não há aprendizado. Porque novela é concentração e foco. Inspiração é apenas 5%.

Você é seu grande censor?

Sou um homem conservador, caseiro. Faço parte de um número cada vez menor de pessoas caretas. Não gosto de ver mau gosto, piadas fáceis, humorista que grita. Quanto mais sutil, melhor. No Brasil há uma tendência a achar a gritaria normal. Não gosto, principalmente em novelas.

Há algum grande tabu?

O incesto é tabu e será sempre. Não tenho vontade de escrever sobre, mas já abordei vários outros. Em “Tieta”, tinha pedofilia, com coronel Artur da Tapitanga (Ary Fontoura) e as rolinhas. Você leva as pessoas a torcer para que as meninas se livrem daquela pessoa horrorosa. Se souber, trata qualquer um. Menos o incesto.

E quanto aos casais gays?

Analiso do ponto de vista mercadológico: 10% da população são gays. É um público que gasta, se diverte, consome, e a novela tem que levar isso em conta. Não quero falar de casal gay só para levantar bandeiras.

O Crô, de “Fina Estampa”, era para o lado engraçado...

Estava cansado dos gays que se comportavam como hetero. Todos quadrados demais. Aí pensei: vou fazer um gay pintoso, sem medo de ser feliz, e fazer o Brasil inteiro gostar dele. Agora, em “Falso brilhante” terá um gay, mas vai surpreender todo mundo. Sondei um ator e ele ficou muito interessado: o José Mayer. Tiraria ele de um trilho ao qual acabou condenado, o de “come todas”. Mas vamos ver.

Tem atores-talismãs?

Tem aqueles com quem gosto de trabalhar porque entendem o meu texto e vão valorizá-lo. O Zé Mayer, que estreou comigo em “Bandidos da falange” (1982), sempre dou um jeito de usar. Também gosto de trabalhar com o José Wilker.

Como Gloria Pires foi parar em “Doctor Pri”?

Os primeiros nomes que me falaram eram os disponíveis, mas se eu vou fazer algo, é para chamar a atenção. E para isso, você precisa de grandes atores. Aí entrei em contato com a Gloria, marcamos um almoço, falei sobre a história e dei um capítulo para ela ler. Mas a Gloria é a Gloria, né? É requisitada para tudo que a Globo quer fazer. Eu era apenas mais um na fila. Uns dias depois, ela me mandou um e-mail pedindo mais capítulos. Mandei, e ela topou fazer.

Como é a série?

A personagem de Gloria faz terapia focal, que é terapia de emergência. Cada episódio é um caso. Há a história dela, do marido, da família.

Tem cenas fortes de sexo?

As cenas de sexo ficam pela imaginação do diretor. Você só escreve: “e eles fazem amor”. No máximo: “e eles fazem amor selvagem”. Eu estava vendo agora o “American horror story”, e o ator principal se masturba três vezes. E é explícito, não sugerido. Numa delas está nu, em pé, de costas. Eu pensei: “Na TV brasileira nunca mostraram cena de masturbação assim". Aí coloquei uma em “Doctor Pri". Se for ao ar, o autor da proeza é o personagem do Adriano Garib.

Você escreveu “Doctor Pri" e “Falso brilhante" ao mesmo tempo. Como não se repetir?

Parei a novela para voltar à série, o que foi perigoso, porque já havia me desligado. Mas eles pediram que eu encurtasse os capítulos. São produtos completamente diferentes, linguagens distintas. Não existe o perigo da comparação, o que transparece é o estilo. Mas isso não parece um problema para o espectador, somente para os críticos.

Como lapidou o seu estilo?

Era jornalista e trabalhava em O GLOBO. Saía do jornal meia-noite, nem via novela. Quando o Boni me chamou para escrever “Partido alto" (1984) com a Gloria Perez, comecei a ver feito louco, mas era viciado em folhetim. Aí percebi que novela é o folhetim transportado para a TV. Peguei todo o Balzac (escritor francês) que está na estante até hoje e foi assim que me preparei. Peguei minhas referências no Nordeste também.

Quando percebeu que estava se repetindo?

Sou muito inquieto. Tenho que estar feliz com o que estou fazendo, senão, não funciona. Não daria para fazer mais uma novela assim, rural. Fui muito infeliz em “Porto do milagres", aquilo não me fazia bem. Quando você se arrisca e dá certo, é a melhor sensação do mundo.

E quando dá errado?

Sempre dá para voltar atrás, é a vantagem. Porque nenhuma novela é um fracasso monumental, a não ser quando o autor é teimoso. Quando a novela não dá certo no início, nunca será um grande sucesso, mas você pode terminá-la dignamente.

“Senhora do destino” foi um risco que deu certo...

Percebi que estava numa zona de conforto. Fiz “Roque santeiro", foi um sucesso. “Tieta”, sucesso, e fui por esse caminho, “Pedra sobre pedra" (1992), “Fera ferida” (1993), “A indomada” (1997). E aí, em “Porto dos milagres", veio a sensação. Pensei: “Vou parar, dei tudo o que tinha que dar". Mas eu tenho contrato, né? Ou pagava multa ou escrevia mais uma. Nesta época, comecei a assistir à série “Familia Soprano”, e quis escrever uma novela sem nada de Aguinaldo Silva, algo novo não para o público, mas para mim. Quis me libertar de todos os truques. Aí escrevi uma novela urbana que se passava na Baixada Fluminense, um tabu na época, sobre uma mulher pobre que enriquece no trabalho, o que é raro em novelas. Quis provar que com 60 anos, poderia me reinventar. A seguinte foi “Duas caras” (2007).

Que também inovou ao colocar a favela Portelinha...

Sim. Pela primeira vez a favela foi cenário principal. Foi um choque. Já em “Fina estampa", pensei: vou escrever uma história sobre uma família comum, sem charme, que sai de casa todo dia para trabalhar. Quando entreguei, o Wolf Maya (diretor de núcleo) falou: “vai pegar, mas vai demorar”. O primeiro capítulo era muito trivial. Só que pegou ali, na veia. E depois dessas três novelas ousadas quero arriscar fazendo uma novela à moda antiga, com todos os ingredientes de modernidade, mas à moda antiga. Quero fazer um folhetim desvairado.

Você reclamou que “Fina estampa" foi tratada com descaso no fim. O que houve?

O final merecia uma direção mais atenta e cuidosa. O terço final da novela ficou ao deus-dará. Via coisas que me deixavam arrepiado. Aquela sequência do naufrágio virou pataquada. Era dramática, houve erros clamorosos. Sou a mais gentil das criaturas, mas quando eu digo chega, é chega. Fiquei chateado.

Acontece de você imaginar algo e o resultado ficar aquém?

Sim. O que nos deixa chateados é quando o ator não entende a intenção de um fala, assim como o diretor. Mas nem converso. Novela tem isso, foi é foi.

Alguma novela que não tenha saído como você queria?

“Suave veneno" (1999) foi uma novela que eu não soube escrever. Eu tinha uma história fantástica, mas não basta isso. Você tem saber como vai contá-la e só descobri no capítulo 40, aí já era tarde. Não tive tempo. Na época, o Daniel Filho me chamou e disse que tinha uma novela para estrear em tal dia, e me propôs fazer, com um novo contrato, cheio de vantagens. Aí o olho cresceu (gargalhadas). E eu me dei mal (risos).

Gostaria de reescrevê-la?

Não. Faz parte do trabalho.

Foi a novela que deu mais trabalho a você?

Não. Foi “O outro" (1987). Porque eu não tinha experiência de bastidores de novela, algo muito importante. O autor não pode ficar só escrevendo, tem que estar atento à luz, ao cenário e ao figurino.

E quando acontece como em “Duas caras", que você teve que explodir um cenário?

Me ligaram às 22h e disseram que teriam que gravar com o cenário da boate pela última vez na manhã seguinte. Eu perguntei: “Por quê?”. E respondera: “Porque em Brasília queriam que fosse assim”. As pessoas dizem que não tem censura, quem disse que não? Inclusive pessoas do Ministério da Justiça que leem as coisas e decidem o que pode ou não ser exibido. Eu entrei em pânico, fiquei perambulando pela casa que nem um fantasma. Até que veio a ideia de colocar como um atentado, alguém que odeia a casa e resolve destruí-la..

Você já fez reclamações pessoais por meio de tramas?

Faço muito. Em “Senhora do destino", o seu Jacques (Flávio Migliaccio) pedia revisão da aposentadoria. A situação acontecia comigo na época. Ficaram tão indignados que cassaram a minha aposentadoria de jornalista, pediram documentos de 1984, e eu não tinha. Mas recorri. Quando ia estrear “Fina estampa”, me chamaram e recebi os atrasados. Acho que ficaram com medo.

Suas heroínas são sempre fortes, como a Griselda. De De onde vem essa força?

Simplificando ao máximo, homem é muito chato, está estratificado. É o que é há séculos, enquanto as mulheres estão em constante mutação. Daqui a 40, 50 anos, estarão dominando tudo. Prefiro escrever sobre elas.

Que personagem mais lembrou você até agora?

O que tinha mais de mim era o José Mayer em “Senhora do destino”, jornalista. Quando ele ouve de um fotógrafo que tem direito à pensão por ter sido perseguido político, ele responde uma frase que é minha: “Jamais aceitaria que o povo pagasse pelas minhas ideias políticas”.

Se policia para que o Aguinaldo não transpareça tanto?

Os personagens têm vida própria. Como vivo só, parece que estão aqui. Quando chega uma pessoa aqui me falando da vida dela, eu penso: “E daí, quero saber da Nazaré!” Aí todo mundo se afasta, e você acaba sozinho no mundo da ficção.

E o Nordeste não aparece mais em suas tramas?

O Nordeste mudou. Há anos não ia a Carpina (PE), onde nasci, e quando cheguei, era outro lugar. Cresceu, mas a mentalidade é a mesma, continuam os feudos, as pessoas aceitam sem discutir o que os mandachuvas fazem. Mas never say never. De repente faço uma novela rural, mas por enquanto, não.

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