Sem contrato na TV aberta, Tiago Santiago escreve para a Fox e fala de excessos em ‘Os mutantes’


Autor titular há dez anos, ele afirma que não voltaria a ser colaborador na Globo, onde começou a carreira

Publicado originalmente no site: http://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv

Domingo, 25 de maio de 2014, 08h00

O Globo




É de madrugada que Tiago Santiago costuma ser mais produtivo. Responsável por novelas como “Prova de amor” (2005) e a trilogia “Os mutantes” (“Caminhos do coração", “Os mutantes” e “Promessas de amor”), na Record.; e “Amor e revolução" (2011), no SBT, o autor de 51 anos gosta de escrever no tardar da noite, sozinho, em seu escritório, em sua casa, no Itanhangá.

— Trabalho bem até as duas, três da manhã, mas com interrupções — explica ele, que, durante o dia, gosta de malhar, buscar o filho, João Lucas, de 6 anos, no colégio e o levar à natação.

Sem contrato com emissora aberta, Tiago, no momento, se dedica a duas séries no canal Fox: a policial “Na mira do crime”, que estreia em outubro, e a sobrenatural “A ilha do lobisomem", que entra em produção no início de junho. Além disso, sua versão de “A escrava Isaura”, exibida em 2004 na Record, estreia no Fox em junho. Nesta conversa, que integra a série de entrevistas com autores iniciada em janeiro pela Revista da TV, Tiago comenta sua passagem pela Globo como colaborador, fala do processo de “Os mutantes” e de sua saída do SBT, em 2013.

Como serão as séries que você está escrevendo agora?

“Na mira do crime” é policial e conta a história de um apresentador de TV que entra em conflito com a impunidade no Brasil e resolve fazer justiça com as próprias mãos. O argumento é do Delmar Andrade, diretor de vendas internacionais da Record, e estou feliz por desenvolvê-lo, pois gosto de histórias de ação. No elenco, Renata Dominguez, Rodrigo Veronese, Luciana Vendramini e outros, com direção de Edson Spinello. Já o argumento de “A ilha do lobisomem” é meu, e mostra um grupo de pessoas que é atraído para uma ilha, se vê isolado do resto do mundo e começa a ser caçado por um lobisomem.

Vai pela linha do sobrenatural, certo? Algo com o que você está acostumado, a exemplo de “Os mutantes”.

Sim. E quando eu escrevi “Os mutantes”, eu estava pensando, de início, em uma novela policial em que havia um crime e várias pessoas da mesma família eram suspeitas. Mas aí comecei a achar que faltava algo diferente e, quando pensei isso, a palavra mutantes me veio à cabeça. Em grande parte por causa do meu fascínio pela obra do Stan Lee (criador de super-heróis como o Incrível Hulk, os X-men e o Homem-aranha). E eu sou apaixonado por mitologia, então tive essa ideia de criar uma clínica, um laboratório de experiências genéticas em seres humanos.

A trilogia teve 600 capítulos e uma boa audiência, mas foi criticada pelo uso demasiado do realismo fantástico. Você também percebeu o exagero em alguns momentos?

Sim. O realismo fantástico não é fácil. Acho que o fundamental é ter base realista, verossímil, para que o entorno seja fantástico. Eu sou um apaixonado por alegorias e metáforas, e acho que a metáfora quando é inteligente pode ser bem recebida pelo público. Mas é possível que em 600 capítulos eu tenha cometido excessos? Sim. Em alguns momentos reconheço que as tintas ficaram muito fortes.

E o que acha de a novela ser classificada com trash cult?

Ela realmente marcou dentro do gênero realismo fantástico, tão bem representado por autores como Ivani Ribeiro, Dias Gomes e Aguinaldo Silva — a quem eu sempre admirei. O trash é porque há uma comparação cruel com os efeitos de Hollywood. E você querer produzir uma novela com os efeitos especiais diários é bem mais difícil. Essa comparação levou críticos mais acirrados a esse tipo de conceituação trash, com a qual não concordo. Mas posso ter contribuído para isso com núcleos como o dos homens-formiga, inspirados em filmes do Steven Spielberg. Isso funciona em um filme, num contexto. Algo com 30, 40, 50 capítulos é outra história.

Quando decidiram que era a hora de dar um fim à novela?

A primeira parte, “Caminhos do coração” foi muito bem no Ibope. Aí a Record colocou a segunda para bater de frente com “A favorita". A terceira temporada, “Promessas de amor”, veio contra “Caminho das Índias", aquela megaprodução da Gloria Perez. E nós estávamos com o orçamento cada vez mais reduzido. A audiência, que chegou a ter picos de 29 no início, caiu para 9 com picos de 18. Chegamos à conclusão que deveríamos parar com dignidade. Além do quê, estava sendo um desgaste para todos nós.

Logo depois, você foi para o SBT. Por que a mudança?

Eu estava exausto, e o Silvio Santos havia comprado os direitos de “Uma rosa com amor”, que eu achava interessante. No fim, até criei algo de realismo fantástico, em cima de crianças e fantasmas. Aí fui fazer a segunda novela, “Amor e revolução”, e lamento não ter investido no realismo fantástico voltado para o público infantojuvenil.

Por quê?

Porque com “Amor e revolução” aprendi que uma novela pode e deve ser dramática, mas nunca trágica. E a ditadura no Brasil foi uma tragédia. Só que a gente já tinha uma frente de 70 capítulos, e eu comecei a querer interferir na edição, mas não deixaram. Afinal, novela se escreve junto com a resposta do público. Foi quando comecei a ter problemas com o diretor Reinaldo Boury, levado ao SBT por mim, inclusive. Tentei ir para uma outra vertente, falar da liberação sexual da época, jogar para o público LGBT, mas foi outra polêmica.

Além de cenas fortes de tortura, a novela foi marcada pelo beijo gay entre duas mulheres. Como foi isso?

Eu tive a liberdade da escolha do tema, de falar sobre ditadura, mas, por exemplo, o beijo gay entre homens foi gravado (com Lui Mendes e Carlos Thiré) e não foi ao ar. Acho que beijo entre mulheres é mais palatável, aceitável e desperta até um certo fetiche. Foi um marco. Mas havia a percepção de que a política não tinha emplacado no gosto popular. O povo não queria saber desse passado trágico do país, relembrar a dor. Escrevi 210 capítulos e, por conta dos cortes, 206 foram ao ar. No fim, a novela ficou dentro da média da emissora e se pagou, não houve prejuízo.

Você tinha carta branca para fazer o que quisesse?

Isso é uma lenda. Se eu tivesse carta branca, teria levado o Alexandre Avancini, parceiro na Record e o diretor com quem eu tive a melhor de todas as relações. Eu não entendia o SBT como entendo hoje. E quem manda é o Silvio Santos. Espero que com toda essa inteligência brilhante, ele invista em um outro horário de novelas, para que a emissora não fique marcada apenas pelos remakes e reprises mexicanas.

Há projetos seus inéditos com Silvio Santos, certo?

Sim. Meu contrato era para 720 capítulos. Ele tem hoje lá 330. Há a minissérie “Ela tem um gênio", com temática nas mil e uma noites, e duas novelas: “O superpoder do amor", com crianças que ganham superpoderes para combater uma invasão alienígena, e “Mariana e o lobisomem”, mais uma incursão pelo realismo fantástico. As duas foram escritas com a intenção de que meu filho, João Lucas, pudesse assistir. São obras voltadas para o público “família” do SBT. E se eu as tivesse feito já com o conhecimento do que funciona lá dentro, talvez a história na emissora tivesse sido outra.

Há previsão de exibição?

Não. Mas sei que se o Silvio Santos não produzir num determinado período, posso reaver na Justiça pela Lei dos Direitos Autorais. Sei que existe o risco de uma realização equivocada, uma produção sem afinidade entre autor e diretor, como eu tenho com o Avancini.

Esse diálogo é essencial?

Sim. Depois dele, não me entendi tão bem com ninguém. Em “Uma rosa com amor”, tive problemas com Del Rangel. Quando não há comunicação, e sim a dificuldade até de falar ao telefone, fica difícil.

Você começou como como colaborador na Globo em “Vamp” (1991) e lá ficou até 2003, com “Kubanakan”. Por que saiu?

Eu sempre tive vontade de escrever sozinho. Quando o Herval Rossano (1935-2007) era diretor de núcleo na Globo, ele havia proposto que eu emplacasse novelas lá. O Lombardi chegou a propor que eu e a Margareth Boury fizéssemos o remake de “O profeta”. Quando o Herval foi para a Record, me convidou para fazer “A escrava Isaura”. Eu poderia ter renovado com a Globo como colaborador, mas vi ali a oportunidade de ser titular.

Como se sentiu ao fim da exibição da trama?

Foi interessante porque eu comecei com um contrato curto com a Record e rapidamente evoluímos para um contrato bem melhor, que me rendeu a função de consultor de teledramaturgia. Levei diretores e autores como o Lauro César Muniz e o Marcílio de Moraes para a Record.

Apesar de “A escrava Isaura” ter sido bem-sucedida, você partiu para algo totalmente diferente em “Prova de amor” (2005). Por que não investiu nas tramas de época?

A ideia da Record era fazer um remake de “A pequena órfã”. Eu gostava, mas queria colocar outros elementos. Misturei com inspirações vindas de “O príncipe e o mendigo” e “O conde de Monte Cristo". Era uma novela realista, contemporânea, diferente do que geralmente se vê nas emissoras concorrentes da Globo. Era uma novela com cara da Globo, fora da Globo.

Voltaria à Globo como colaborador?

Não me vejo mais nesta função. Depois de “Kubanakan”, disse para mim mesmo que seria a última. Gosto de trabalhar em equipe e até me veria como coautor, mas não quero somente desenvolver diálogos e não ter autonomia. Após dez anos escrevendo novelas, acho que seria um retrocesso e eu prefiro trilhar novos caminhos.

Está para fechar com alguma emissora?

Na Globo, fui recebido com muito carinho pela Monica Albuquerque, diretora de desenvolvimento artístico, mas já estão com a grade de novelistas fechada pelos próximos anos. Na Record, onde tenho as melhores médias de audiências de novelas, existe a possibilidade de voltar, mas nada resolvido. Enquanto não voltar às novelas, vou escrever séries, filmes, livros, peças. Sou contador de histórias. Quero trabalhar enquanto viver. Peço perdão a quem magoei nesta vida. E perdoo quem me magoou.

Comentários

  1. Assisti todos os capítulos da novela dos Mutantes, era bem trash sim, ao contrario do que o autor se recusa a afirmar hahaha Era tudo tão surreal que não tinha como levar a sério aquilo, principalmente o final, no futuro, em que as estação da barcas de Charitas vira um aeroporto de disco voador...

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  2. Bom, não posso falar da obra de Santiago com muita propriedade, pois nunca acompanhei Os Mutantes de fato. Mas o pouco que assisti não me cativou. Acho curioso ele mencionar Stan Lee como inspiração. Porque a maior colaboração de Lee à Marvel Comics, que a fez companhia que é hoje, foi a capacidade de humanizar seus heróis ao máximo, dramaticamente falando. O grande trunfo da narrativa fantástica, e de seres poderosos, é que eles funcionem como pano de fundo aos dramas que possam ser internalizados pelo expectador. Ao que me parece, a novela falhava tanto plasticamente quanto nas atuações caricatas de seu elenco. Pois, era visível que a obra se lavava à sério demais para corroborar com essa estética.

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