Gafe no Jornal Nacional expõe 'luta por sobrevivência', diz especialista



Publicado originalmente no site: http://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/televisao

Sábado, 07 de junho de 2014, 7h31

Paulo Pacheco




Após as recentes gafes nos telejornais da Globo, os jornalistas viraram notícia. A bufada de Patrícia Poeta no Jornal Nacional e a caneta de Sandra Annenberg no Jornal Hoje ganharam uma repercussão maior do que o próprio conteúdo jornalístico. Para cientistas da comunicação, os recentes acontecimentos expõem uma "crise de identidade" no telejornalismo. Ao se "humanizar", o jornalismo de TV revela sua "luta pela sobrevivência".

Na segunda (2), Patrícia Poeta apareceu bufando no Jornal Nacional. Telespectadores tiraram sarro e comentaram que a jornalista, que cobre a seleção brasileira ao lado de Galvão Bueno, estava irritada ou estafada.

Na quarta-feira (4), William Bonner interrompeu o telejornal para explicar que ela fazia aquecimento vocal, obrigatório para apresentadores e repórteres, e não percebeu que estava no ar. A conversa de Bonner com Poeta teve mais espaço do que outras reportagens exibidas no mesmo dia.

Na terça (3), Sandra Annenberg deixou a caneta cair no encerramento do Jornal Hoje e não conseguiu evitar uma gargalhada. A reação da apresentadora foi um dos assuntos mais comentados nas redes sociais.

O professor de telejornalismo da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Antonio Brasil, não vê problemas na transformação de jornalistas em personagens, como uma espécie de "humanização" do profissional que antes só emitia informações. O problema, na visão dele, está quando o programa abusa da superficialidade e perde conteúdo, como acontece atualmente e evidencia uma crise de identidade que deverá extinguir o modelo atual de telejornalismo.

"O jornalismo de TV luta desesperadamente para sobreviver. A estratégia de 'humanização' de seus profissionais é uma das atitudes 'desesperadas' para continuar relevante. O fim dos telejornais como conhecemos, com ou sem as gracinhas do William Bonner, é inevitável", argumenta o professor.

Na visão de Eugênio Bucci, docente de jornalismo da USP (Universidade de São Paulo), a quebra de formalidade entre William Bonner e Patrícia Poeta sobre a bufada ao vivo é comparável a um talk show e não compromete a credibilidade do Jornal Nacional.

"Fiquei impressionado positivamente com o traquejo de Bonner e Poeta, saíram da gafe com uma descontração admirável. [Jornalista virar notícia] é uma preocupação correta, mas não é tão séria quando o assunto é futebol. Não digo que eles não deixaram de ser jornalistas, não quebraram o protocolo pelo clima da Copa do Mundo", avalia Bucci.

Para Wagner Belmonte, professor de jornalismo da Fapcom (Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação), a bufada de Patrícia Poeta não é grave em comparação com outras gafes mais pesadas, como a risada de Sandra Annenberg ao ver sua caneta no chão. Em sua opinião, jornalista virar notícia não é humanização, e sim marketing pessoal, e o jornalismo está refém do entretenimento.

"A reação de Sandra Annenberg ao deixar a caneta cair, dando um sorriso, é uma apresentação infantiloide, cheia de caras, bocas, mimos e dengos. Prefiro o padrão da Christiane Pelajo [apresentadora do Jornal da Globo]. Sem sedução, poderia inspirar muitas jornalistas", compara.

Comentários

  1. Conheço pessoalmente o Antonio Brasil, que comanda o laboratório de telejornalismo da UFSC, um dos mais produtivos do país. Eles possuem um telejornal diário veiculado no youtube: http://www.youtube.com/user/jornaltjufsc . Sinto que ele tem muita relevância para dar a opinião que deu, assim como o Bucci, mas teria algumas ressalvas quanto aos dois e, inclusive, ao todo desta matéria. No Brasil, temos um grande problema com o padrão telejornalístico imposto pela relação ao vivo, estabelecida tanto entre repórteres, quanto entre apresentadores e âncoras. O problema é exatamente o que alavanca essas discussões: não pode haver falhas, tudo segue na devida perfeição. Perfeição imposta por esse modus operandi dos estúdios, do padrão norte-americano de telejornalismo. Poderíamos tomar outros lugares como referência e passar a pensar um telejornalismo menos encenado, falseado e distante do seu público. Na realidade, explicar os erros e equívocos dos profissionais de telejornalismo pode ser um caminho inverso da humanização; acaba se tornando uma explicação distanciadora da humanidade que possui o erro. Afinal, todo mundo erra.

    Tenho mais outra consideração sobre este padrão também. Visualmente estamos condenados pelo padrão rede Globo de televisão, que detona sotaques, identidades culturais e até de gênero. Alguém aí já viu uma apresentadora travesti? Alguém aí já viu um âncora usando um black? Alguém já viu um repórter homem de cabelos grandes e soltos? Sinto que, pelo menos na transmissão esportiva, algumas barreiras já foram quebradas. Mas ainda temos muito o que andar. E isso fica nítido com um top 5 do CQC, sempre elencando essas gafes como um das coisas mais importantes da tv brasileira na semana. Ah, faça-me o favor!

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  2. as gafes terem tido mais audiencia do que o prórprio telejornal, mostra que o jornalismo que nos é apresentado nao mais representa as pessoas, o formato nao mais as satisfaz. Está na hora de repensar a forma de passar as informacoes ao povo, por meio da tv. Um jornalismo mais comprometido com as demandas da sociedade talvez, nao so um jogo de interesses de quem veicula as noticias.

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  3. Concordo bastante com o Tiago. Essa grande discussão sobre as gafes pra mim é ridícula. É obvio que os jornalistas são humanos, erram, derrubam canetas...essas deveriam ser percebidas como coisas extremamente normais visto que ainda não substituíram os jornalistas por robôs. Me parece tão bizarro uma discussão sobre a humanização de pessoas, apenas por serem profissionais da televisão.

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