Talk-shows se renovam aqui e nos EUA


Dança das cadeiras de apresentadores americanos e estreia de programas no Brasil mostram que o gênero ainda é popular

Publicado originalmente no site: http://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv

Domingo, 01 de junho de 2014, 09h00

Isabel de Luca e Márcia Abos


Enquanto nos Estados Unidos as aposentadorias dos medalhões David Letterman e Jay Leno — e o consequente surgimento de fenômenos como Jimmy Fallon — deram uma bela chacoalhada no já aquecido cenário dos talk-shows, por aqui a chegada de nomes como Danilo Gentili e Rafinha Bastos a esse tipo de programa trouxe mais variedade e concorrência para as noites, até então dominadas unicamente por Jô Soares

“O bate-papo é a maior forma de diversão que existe”. A frase é de Jô Soares, que deve saber bem do que fala, do alto de sua experiência em mais de 13 mil entrevistas e 5 mil programas — é o mais longevo apresentador de talk-shows no ar no Brasil. A prova de que o espectador brasileiro de fato gosta de acompanhar a conversa alheia é que o formato vem se diversificando e ocupando uma parte maior da programação. Vindos do humor, nomes como Danilo Gentili e Rafinha Bastos atraíram um público mais jovem e apostaram num tom descontraído em seus programas. Atualmente, basicamente todos os canais de TV aberta têm seus talk-shows.

Desde 1988 comandando seu programa — primeiro no SBT, depois na Globo, para onde foi em 2000 —, Jô Soares cita como pioneiro do formato no Brasil o apresentador Silveira Sampaio (1914-1964), que na década de 1950 apresentava o “SS Show” e o “Bate-papo com Silveira Sampaio”. E se não há grandes inovações possíveis numa conversa entre duas pessoas, ele cita uma trazida por ele:

— O que meu programa criou de diferente foi ter a presença física da plateia. Não gostaria de fazer um programa desses sem plateia. Ela dá uma vibração diferente às entrevistas e aos assuntos abordados — diz o apresentador, observando que outra característica que diferencia uma atração da outra é o perfil do apresentador: é ele que acaba ditando a cara do programa.

Mas se é para falar de renovação — e em 26 anos no ramo ela é mais do que necessária —, Jô crê que os convidados e sua diversidade são a chave. Ter no sofá gente de todo tipo, perfil e faixa etária, e tratar todos com igualdade faz a diferença.

— Todo mundo aqui é tratado por você, do presidente da República ao engraxate — diz Jô, que ao ser questionado sobre sua melhor entrevista, responde sem hesitar: —A próxima.

O humorista Danilo Gentili lembra que durante muito tempo Jô Soares reinou absoluto nas noites, até que ele começou a apresentar o “Agora é tarde”, na Band, em 2011. Deixou o programa há seis meses para estrear no SBT um novo talk-show , o “The noite”. A mudança trouxe para o horário mais um concorrente: Rafinha Bastos, que assumiu o comando do “Agora é tarde”.

— Não vejo um boom do formato. Mas hoje há mais concorrentes — avalia Gentili, que prefere definir seu programa como um late night, um subgênero do talk-shows, por causa dos quadros de humor, do elenco de apoio e da influência da stand-up comedy.

A personalidade do apresentador é considerada também por Gentili determinante para diferenciar os programas:

— Nos Estados Unidos, sim, há uma gama de late nights concorrendo na grade. Todos são idênticos no que diz respeito à forma. Têm a bancada, o sofá, até o skyline. Mas todos são diferentes porque são feitos em cima da personalidade do apresentador. Não é uma questão de ser novo, renovado, mas uma questão de ser autêntico. É igual a terno. É preciso ser feito feito sob medida.


Rafinha Bastos, novo apresentador do “Agora é tarde”, comemora a possibilidade de, nesta função, “juntar tudo que sabe fazer”, com suas formações de jornalista, ator e comediante.

— Fazia muito tempo que se reproduzia muitos formatos de TV. Mas talk-show era uma coisa intocável. O Jô Soares fazia há muito tempo e os outros canais não reproduziam o formato, não tentavam coisas na mesma linha. Porque o que ele faz é bom, e funciona e tem um público cativo — diz Rafinha, que hoje tem uma concorrência maior, com Gentili no SBT, Luciana Gimenez, na Rede TV!, e Roberto Justus, na Record.

Rafinha explica que o programa foi totalmente reformulado desde que o assumiu, há dois meses. E que ele e a equipe ainda estão afinando a atração para aproximá-la de seu perfil.

— Tenho facilidade em me conectar com quem está na minha frente. As pessoas gostam de vir aqui e se sentem bem. Às vezes demora um pouquinho, mas tem sido muito legal. Herdei um programa feito para outra pessoa. Ainda estamos tentando descobrir qual o melhor caminho — defende.

Roberto Justus conta que apresentar um talk-show era seu sonho desde que começou a fazer TV há dez anos. Quando teve a oportunidade de comandar o semanal “Roberto Justus +”, que vai ao ar nas noites de segunda, optou por enfatizar os assuntos discutidos.

— Queria que o tema fosse o protagonista, o centro das atenções. É a partir dele que selecionamos os convidados — explica.

Segundo Justus, a dinâmica do programa é melhor com dois ou três entrevistados. Uma vez por mês, o debate acontece entre humoristas. Com a diferença de formato e por não estar na grade diária, ele afirma não competir com Rafinha, Gentili, Jô Soares e Luciana Gimenez.

Desde de 2012, esta última apresenta o talk-show “Luciana by night” na Rede TV!. É a única mulher na briga pelos notívagos. Sobre o formato, a apresentadora diz que procura ser leve, bem-humorada.

— Se disser que meu programa é totalmente diferente dos outros talk-shows, estaria mentindo. É um formato que dá certo, que agrada ao público. Procuro deixar meus convidados falarem; ser alegre, leve, engraçada. Porque nesse horário, o espectador quer se divertir — acredita a apresentadora.


Diz a lenda que a principal razão de os americanos não dormirem as sete ou oito horas recomendadas por noite é a popularidade dos chamados late night talk-shows nos Estados Unidos. Recentemente, dois dos mais antigos apresentadores, Jay Leno e David Letterman, anunciaram suas aposentadorias, gerando uma dança das cadeiras que já começa a mudar a cara — e a audiência — da programação do início da madrugada, até outro dia considerada um clássico imutável do país.

— A televisão de fim de noite americana nunca mais será a mesma — afirma David Klein, diretor sênior da New York Film Academy. — Além do fato de que os antigos apresentadores estavam nessas posições há muito tempo, talvez fosse mesmo hora de mudança com relação ao público que os canais estão tentando alcançar. Com novas personalidades assumindo os programas, acho que vai haver muitas mudanças no que vai ser oferecido. Enquanto os apresentadores envelhecem, suas plateias também, e eles não estavam capturando uma nova audiência, o que é importante para manter os programas vivos.

O último célebre apresentador do gênero havia deixado o cargo em 1992, ano em que Johnny Carson (1925-2005) jogou a toalha e sumiu da vida pública — Leno e Letterman, diga-se, são rivais desde que o primeiro foi escolhido para sucedê-lo. Popularizado justamente por Carson, que comandou o “The tonight show” na NBC por 30 anos, o formato inclui monólogos do apresentador — que faz graça das notícias do dia, sempre sentado atrás de uma mesa —, esquetes de comédia, entrevistas com celebridades e números musicais.

No ano que vem, quando todas as transformações se concretizarem, o nobilíssimo horário das 23h35 terá uma nova grade de apresentadores, consideravelmente mais jovem. Em fevereiro, Leno, de 63 anos, passou o bastão do “The tonight show” para Jimmy Fallon, de 39, (o programa é exibido no GNT, de segunda a sexta, meia-noite) que virou uma sensação instantânea, assumindo a liderança folgada na briga contra Letterman, de 67, e Jimmy Kimmel, o ascendente astro da ABC, de 46.

— Fallon tem uma marca reconhecível do “Saturday night live”, uma carreira cinematográfica decente e é jovem o suficiente para atrair espectadores de 20 anos, ou mesmo adolescentes. Ele parece seguir a rotina do “SNL”, permitindo que o programa seja quebrado em diferentes segmentos que podem se tornar virais na internet. Gosta de música pop e hip hop, e isso o conecta a plateias mais jovens. Mas também vem sendo criticado por entrevistar as celebridades como um fã, e por estar muito feliz o tempo todo. Letterman, por exemplo, é mais mordaz, mais rabugento — diz Deborah Jaramillo, professora de Cinema e TV da Boston University.

Apresentador mais longevo da história da televisão de fim de noite americana — ele estreou na CBS em 1993, depois de 11 anos na NBC —, Letterman anunciou em abril que sairia de cena ao fim do contrato, que vence em agosto de 2015. Uma semana depois, foi anunciado que o trono da CBS será de Stephen Colbert, 49, sensação cult do “The Colbert report”, do Comedy Central. Para o lugar de Colbert, o canal comunicou no último dia 10 a contratação de Larry Wilmore, 52, o “correspondente negro sênior” do “The daily show” de Jon Stewart, que apresentará o “The minority report” a partir de janeiro.

Mas o xadrez motivado pelo levante ainda acomoda as suas peças. Craig Fergusson, apresentador das 0h35 da CBS que não foi puxado para o lugar de Letterman, seu antecessor na grade, avisou que sairá do ar no fim do ano. O canal diz estar em busca de um nome, e que seria interessante escalar uma mulher para o papel. O maior concorrente no horário é Seth Meyers, que era um dos principais roteiristas e âncora do quadro “Weekend update” do “Saturday night live”, e assumiu o lugar de Fallon no “Late night” da NBC. Outro posto que ainda não foi preenchido é o de Chelsea Handler, que anunciou estar de saída do “Chelsea lately”, no E!, em agosto.

— É uma pena que ainda não pudemos ver uma mulher assumindo um dos postos mais nobres dos talk-shows de fim de noite — provoca Ron Simon, curador do Paley Center for Media em Nova York.

No ano passado, Jimmy Kimmel teve seu programa transferido para as 23h35, depois de dez anos como apresentador da meia-noite na ABC, justamente para competir com Letterman e Leno (Kimmel logo se igualou a Leno na preferência da faixa de público entre 18 e 49 anos, a preferida dos anunciantes do horário, o que de certa forma explica a escolha de Fallon para o cargo). A ABC acaba de estender o contrato de Kimmel por dois anos, até 2017. A única atração que permanece intacta é o “Daily show” de Jon Stewart, no Comedy Central — mas o inglês John Oliver, 36, que o substituiu durante uma licença para dirigir um filme em 2013, ganhou no fim de abril um show próprio semanal, “Last week tonight”, aos domingos, às 23h, na HBO.



Nos dias de semana, Letterman atrai cerca de 2,9 milhões de espectadores, Kimmel, 2,7 milhões, e Fallon, com média de 4,3 milhões, é o único com audiência maior que a dos programas pré-gravados, opção registrada em quatro milhões de domicílios, segundo dados da Horizon Media. Diferentemente de Letterman, Fallon e Kimmel investem pesado nas redes sociais e no YouTube. Clipes do primeiro cantando hits antigos com Justin Timberlake e os trotes virais do segundo viraram hits entre os jovens.

O lucro dos talk-shows de fim de noite vem caindo, especialmente na NBC e na CBS: segundo o “New York Times”, o programa de Letterman perde cerca de US$ 20 milhões por ano. Sua média de audiência na temporada atual é de 2,8 milhões de espectadores, 6% a menos que na última — sendo que na categoria entre 18 e 49 anos, ele caiu 17%. Uma das razões seria a chegada de Fallon.

Mesmo com as recentes mudanças, um dos maiores mistérios na paisagem dos late night talk-shows é o quão pouco eles mudaram em formato e tom desde que Leno e Letterman começaram. Apesar de ter levado uma banda cool — The Roots — para acompanhar o “The tonight show”, Fallon ainda apresenta um programa de certa forma à moda antiga. Até a cortina azul de onde ele aparece ao início de cada programa faz lembrar os dias de Johnny Carson. Mesmo assim, Fallon entrou com o pé na porta: basta dizer que os números musicais da estreia foram U2 e Will Smith. A audiência, claro, foi atrás.

David Klein conta que o ator Neil Patrick Harris chegou a ser convidado para o posto de Letterman antes de Colbert, mas não aceitou justamente porque não estava interessado em manter um formato tão tradicional. Corre que Ellen DeGeneres, Tina Fey e Chelsea Handler também estiveram cotadas para o cargo.

— Para as redes de TV e os anunciantes, há segurança nesse formato, eles sabem que funciona. Você pode trazer novos apresentadores e manter a estrutura, embora com um novo enfoque — comenta o diretor da NYFA.

Com Fallon, o “Tonight show” voltou a ser gravado em Nova York — durante as eras de Carson e Leno, era em Los Angeles. Quando saiu do “SNL”, em 2004, ele tentou a carreira de ator com filmes como “Taxi”, com Queen Latifah. Quando retornou a Nova York, o comediante ocupou o lugar de Conan O'Brien no “Late night”. Ao contrário de Leno, Letterman e Kimmel, Fallon não tem Johnny Carson — que saiu do ar quando ele tinha 16 anos — como um ídolo. “Carson era apenas o cara que estava no ar toda noite”, disse ele à revista “New York” às vésperas de sua estreia, em fevereiro. “É como se ele tivesse vindo junto com a minha televisão.” Nas entrevistas que se seguiram à sua aposentadoria, Leno disse que a decisão não foi dele. Mas, segundo Fallon, o próprio Leno o avisou que estaria saindo de cena e lhe teria dito: “Você é a pessoa mais próxima de Johnny (Carson) em uma geração diferente.”

Se Fallon dominou a arena, a maior curiosidade agora é em torno da atuação de Colbert no lugar de Letterman. Enquanto o programa aguarda uma data de estreia no ano que vem, seus dois principais rivais têm sido só elogios: Fallon o descreveu como “um gênio, o homem vivo mais engraçado”. E Kimmel postou no Twitter no dia do anúncio: “Não conheço homem melhor ou mais engraçado.” O próprio Letterman emitiu uma nota otimista: “Stephen sempre foi um verdadeiro amigo. Estou muito animado por ele e lisonjeado que a CBS o tenha escolhido. Eu sabia que eles procuravam outro cara de óculos!”

— Vai ser interessante ver Colbert assumir o lugar de Letterman, porque no “The Colbert report” ele é um personagem, e acho que as pessoas definitivamente vão sintonizar para vê-lo levar um pedaço desse personagem e seu caráter — ressalta Klein.

Deborah, da Boston University, concorda:

— Estou muito interessada em ver o que Colbert vai fazer no posto de Letterman. Conhecemos o personagem que ele faz no Comedy Central, mas como vai ser a sua própria persona no programa? Espero que leve seu olhar político crítico, suas sátiras, à arena do fim de noite.

Comentários

  1. Essa dança das cadeiras nos Estados Unidos é interessante. Mas o que tá rolando aqui tá chamando atenção. Danilo Gentilli parece que usou a Band pra testar o formato mais próximo com os americanos que o Jô (que parece um pouco mais engessado, com menos quadros dando preferência às entrevistas - mais talk show que late night mesmo) e no SBT ganhou o espaço e principalmente o cenário pra fazer o late night bem do jeitinho que é. Tô gostando dessa onda. Acho que deu uma refrescada na coisa toda. Vamos ver agora se ele (e o Rafinha) se tornam outros Jôs, Lettermans e Lenos que ficam eras no ar e viram ícones do gênero. Tá com cara de que sim.

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