‘A grande família’, o seriado que usou o tempo a seu favor



Publicado originalmente no site:http://kogut.oglobo.globo.com/noticias-da-tv/critica/noticia/2014/09

Sexta-feira, 11 de setembro de 2014, 09h00

Patricia Kogut




Repetir que “A grande família” é um dos programas mais longevos da televisão brasileira significa render-se a um clichê tão inescapável que, pronto, está dito aqui em primeiro lugar. A série original foi ao ar de 1972 a 1975 e quem assistiu a ela não esqueceu. Jorge Dória, Eloísa Mafalda, passando por Brandão Filho e Luiz Armando Queiroz, estão todos lá, na memória das plateias. A atual versão estreou em 2001. Entre lá e cá, em 2007, virou filme. Já cravou audiências de 40 pontos, uma contabilidade de novela das 21h. Não é pouco. E sai do ar esta noite ainda no auge. Quais as razões para isso?

A primeira delas, claro, o tema, uma família clássica de classe média brasileira, com todos os pontos de conexão possíveis com o público. As angústias, as alegrias, o comportamento à mesa, o feijão e o arroz, tudo é exemplar.

Outro valor fundamental é o elenco. Em todos esses anos, ele se manteve da melhor qualidade. Foi assim no coração da história, com Marieta Severo, Marco Nanini, Pedro Cardoso, Guta Stresser, Lúcio Mauro Filho, Marcos Oliveira, Tonico Pereira, Rogério Cardoso e Andréa Beltrão. E com atores que fizeram personagens que se agregaram, e se estabeleceram, como o inspiradíssimo Paulão de Evandro Mesquita, Natalia Lage, Maria Clara Gueiros, Fábio Porchat e muitos outros. Sempre ficou a impressão de que ali nunca se fez algo por menos.

Cláudio Paiva foi o primeiro capitão dos autores (um time grande e brilhante e que se renovou desde 2001) da fase mais recente. Ele manteve a estrutura original, outro acerto. Mas, acima de tudo, defendeu um pulo do gato para o roteiro que explica o seu fôlego.

É que “A grande família” não passou os anos acomodada na simples repetição de um repertório limitado de tramas. Se fosse assim, teria saído do ar muito antes e sem as glórias de hoje. Ou, pior, ficaria sucateada pela exploração exaustiva da pobreza de situações. Porém, ao contrário, a narrativa acompanhou uma linha cronológica e andou para a frente sempre. O que parece simples, mas foi um achado.

Assim, a família evoluiu, atravessou os vários planos econômicos do governo, passou a ansiar pelos bens de consumo que acertaram o coração da classe C nos últimos anos, Bebel e Agostinho tiveram um filho, Nenê e Lineu atravessaram uma crise no casamento, Lineu se aposentou, Nenê quis trabalhar fora e por aí foi. Com essa adesão ao realismo — mas sempre com um pé na fantasia —, o programa garantiu um passe para a vida longa.

Por tudo isso, mesmo depois desses 14 anos, o seriado termina deixando a impressão de que poderia seguir por muito tempo. Ou que continuará existindo em algum lugar no imaginário. Porque aqueles personagens se parecem com gente que conhecemos. E mais ainda: são como nós mesmos. Portanto, não seria estranho vê-los envelhecer.

O programa segue instalado com naturalidade na casa dos telespectadores, um feito raramente alcançado pela televisão. É a lição que fica.

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