Sexo e as Negas vale mais pelo retrato social do que pela comédia



Publicado originalmente no site: http://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/opiniao

Quarta-feira, 17 de setembro de 2014, 06h36

Raphael Scire




Sexo e as Negas, seriado que estreou nesta terça (16) na Globo, é uma paródia assumida da série norte americana Sex and The City, adaptada para a realidade brasileira de uma favela, cenário principal do programa e do cotidiano de suas quatro protagonistas, todas negras, como sugere o título: Lia (Lilian Valeska), Soraia (Maria Bia), Zulma (Karin Hills) e Tilde (Corina Sabbas).

Polêmico antes mesmo da estreia, o programa foi acusado de racismo por grupos de ativistas do movimento negro. O o autor, Miguel Falabella, tratou de se defender chamando os acusadores de preconceituosos por julgarem um produto antes mesmo de vê-lo no ar.

Trazer a favela para ser o centro de um programa de televisão não é bem uma novidade, ainda mais se tratando de um projeto com a assinatura de Falabella. Assim como em sua última novela, Aquele Beijo (2011), Falabella aparece como narrador. Em menos da metade de um bloco, o autor apresentou a ocupação da Cidade Alta de Cordovil, a comunidade carioca onde se passa o seriado, e a história de Jesuína (Claudia Jimenez).

É no bar de Jesuína que as quatro se encontram e trocam confidências. Jesuína, além de aconselhar as protagonistas, comenta em sua rádio comunitária os acontecimentos da favela. Há um visível conforto de Claudia em interpretar o texto quase que anárquico de Falabella, que casa tão bem com o humor solto da atriz. É também destaque o fechamento do programa com um número musical, que lembra a experiência do gênero que o autor testou em Pé na Cova.

Mas ao contrário de sua série anterior, em Sexo e as Negas Falabella deixa a comédia um pouco de lado e centra fogo no traçado de um panorama social. O mote e diferencial de Sexo e as Negas se beneficiam do cenário e das personagens e os aliam a um texto tipicamente suburbano, que o autor domina tão bem, e a uma estética um tanto glamourizada do subúrbio, afinal, já que é uma comédia, pede cores fortes, alegres.

Desta vez, a discussão é centrada na feminilidade e, principalmente, nos relacionamentos afetivos das protagonistas, mas o programa também abarca outras discussões, como a apresentada no primeiro episódio, que tratou da locomoção urbana e do anseio das “negas” de comprar um carro, temas que fazem parte desse novo cenário social pelo qual o país vem passando nos últimos tempos.

Expor o modo de pensar, falar e agir de quatro mulheres, com as dificuldade impostas pela vida e mesmo assim dotadas de grande auto-estima e, sobretudo, controle de seus corpos, faz da série uma leitura subversiva do ideal de beleza imposto pela mídia. Aqui, são mulheres reais, distantes daquilo que é visto na tela da televisão, mas próximas do que é observado nas ruas _ou nos bailes funks, como vimos na estreia.

Depois do primeiro episódio, vê-se que a polêmica em torno do suposto racismo do programa é totalmente injustificada: Falabella dá aqui protagonismo a atrizes negras e está longe de trata-las como objetos.

Mais do que a brincadeira do título com o modo de falar de muitos cariocas, Sexo e as Negas se sobressai pelo retrato social que faz. Não chega a ser uma novidade estonteante, mas tem lá o seu charme. Quem sabe, diante de tanto bafafá, o autor não resolva apimentar ainda mais as histórias?

Comentários

  1. Interessante pensar a repercussão que isso teve no movimento social afro feminista, as meninas do blog Blogueiras Negras, resolveram fazer uma série de vídeos chamado "As Nega Real" que mostra uma realidade menos midiaticamente explorada da mulher negra Brasileira.

    http://blogueirasnegras.org/2014/09/06/asnegareal-episodio-01/

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