Seminário II: Séries documentais etnográficas



Universidade Federal Fluminense
Instituto de Artes e Comunicação Social
Cinema e Audiovisual
Professor: Felipe Muanis
Alunos: Mika Makino, Iulik Lomba e Thiago Antonio





Séries documentais etnográficas não é propriamente um gênero televisivo, elas seriam uma derivação dentro das séries documentais, então, para compreendê-las, é necessário que entendamos os filmes etnográficos e como eles podem ser compreendidos na televisão.

As origens do cinema etnográfico surgem a partir do próprio advento do cinema, ainda no século XIX. Para alguns autores consideram que nos primórdios do cinema o antropólogo Felix Régnault, na Exposição Etnográfica da África Ocidental (1895), se utilizou dessa nova tecnologia para aprofundar os seus estudos sobre o comportamento humano. Concomitante ao registro cinematográfico surge a pesquisa etnográfica, ambos se desenvolvem separadamente e só ganham força unidos durante um processo na década de 1920.

Apesar de algumas pessoas terem se utilizado do cinema como documentação nas décadas anteriores a 1920, os pais do filme antropológico para muitos teóricos e realizadores são os diretores DzigaVertov e Robert Flaherty, nenhum antropólogo.

Flaherty se destaca a partir do seu principal filme Nanuok, o esquimó (1922), o qual foi produzido depois do diretor passar um ano convivendo com um grupo Inuit para que ele pudesse capitar aquilo que ele acreditava ser um cinema mais autêntico. Seu envolvimento com o habitat e a vivência da comunidade Inuit se assemelham ao que o teórico, Bronislaw Malinowski, estava desenvolvendo enquanto pesquisa antropológica nas Ilhas Trobiand, que o mesmo chamará de observação participante. Quanto ao processo de feitura do documentário, Flaherty inaugura o que Jean Rouch irá recuperar com afinco em seus trabalhos, que é a “antropologia partilhada”, incluído os Inuit na construção do filme. Muitos questionam a veracidade documental desse filme de Flaherty, por ele ter feito um roteiro prévio e ter cenários montados especialmente para filmagens, entretanto sua obra e seu processo de trabalho se destacam e o diferenciam dentro da história do cinema.

Também propondo um distanciamento do cinema industrial de ficção, Vertov buscava o “cinema verdade” através do documentário, ligando a câmera a espera de que pudesse capturar algo que depois pudesse explorar por meio dos seus estudos de edição. Sua proposta não era

quanto a verdade filmada pelo cinema, mas a verdade do cinema. Essa metodologia fílmica de Vertov vai ser muito utilizada no cinema etnográfico, capturando o cotidiano e depois editando. É importante lembrar que igualmente importante para o filme etnográfico além do cinema verdade, é o cinema direto, o qual acreditava que não devíamos intervir na ação, não assumir uma postura da câmera que fosse presente e declarada.

Durante esse período podemos destacar também outros estudiosos que se utilizaram do cinema em seus estudos, mas que são mais conhecidos por seu papel como teóricos antropológicos, como o já citado Malinowski, aqui no Brasil o Claude Lévi-Strauss e sua mulher Dina (a qual esteve à frente da Sociedade de Etnografia e Folclore, fundada por Mário de Andrade, igualmente importante para os estudos etnográficos no Brasil) e Margaret Mead e Gregory Bateson, os quais trabalharam com o uso sistemático do filme como parte da pesquisa antropológica.

Jean Rouch, importante cineasta foi fundamental para o desenvolvimento do que entendemos sobre o filme etnográfico. Na década de 1960, Rouch retoma a “antropologia partilhada”, que foi utilizada por Flaherty em seu filme sobre os esquimós, e passa a produzir conjuntamente com aqueles quem filme, criando uma proximidade entre o observador e o observado. Ele propõe, então, uma etnoficção e o uso do cinema vérité.

No Brasil, o filme etnográfico foi igualmente explorado como no resto do mundo, a começar com os registros feitos pela Comissão de Linhas Telegráficas e Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas, que será conhecida como Comissão Rondon. Esta comissão foi responsável por importantes filmes feitos na década de 1910 pelo Major Luiz Thomaz Reis, o mesmo colaborou com a comissão até 1938 com materiais singulares. Na década de 1960, influenciados pelo cinema vérité Francês e o Neo-realismo italiano, o Cinema Novo no Brasil renova as perspectivas do cinema documental nacional. Surge daí a Caravana Farkas (1968-1972), produzindo filmes que mostrava o Brasil aos brasileiros, feitos por jovens realizadores.

Em meados dos anos 60, as televisões públicas européias, principalmente, a francesa e a alemã, iniciaram a aplicação de investimentos em produção de conteúdo documentais etnográficos para comporem sua grade de programação, no intuito de potencializar o caráter informativo/ educativo dessas emissoras. Os recortes de tema mais recorrentes nas produções eram relacionados à cultura popular, principalmente de países de “terceiro mundo”, ditos exóticos, primitivos sob a perspectiva eurocêntrica.

Consequentemente, a maioria dos filmes era realizada em colônias francesas e alemãs na África, para documentação do cotidiano, do patrimônio material e imaterial das tribos aborígenes, concentrando-se sobre aspectos como culinária, música, dança e etc. A América Latina também foi foco de produções etnográficas para alimentação das TVs públicas européias, no Brasil por exemplo, o cineasta francês Pierre Barouh realizou o longa etnográfico sobre a música popular

brasileira chamado Saravah (1969), com a participação de Baden Powell, Pixinguinha e João da Baiana, patrocinado pela TV pública da França.

Por mais que esses conteúdos não consistiam programas específicos, com formato e linguagem pré-estabelecidos, os materiais etnográficos tinham espaço privilegiado na programação das TVs por serem uma atração diferenciada, com respaldo intelectual contemplador dos objetivos educacionais/formativos traçados pelas emissoras públicas. Dessa forma, era comum que ao menos uma vez por semana, e fundamentalmente nos finais de semana, fosse exibida uma obra etnográfica no horário nobre da grade de programação; caracterizando assim, uma tendência de veiculação das obras etnográficas em série, mesmo que os “filmes-capítulos”, possuam autonomia, auto-suficiência e independência entre si, seu conjunto constitui uma unidade semântica de conteúdo e de linguagem dentro da grade de programação.

Podemos observar, hoje, em canais da televisão fechada como Discovery Channel e National Geografic Channel e em programas da BBC uma grade composta por séries documentais que funcionam na mesma proposta de “filmes-capítulos”, formando poucos episódios que contemplam o mesmo conteúdo, mas que são independentes entre si. Nestes canais, por vezes, ainda mantém um olhar estrangeiro sobre algo exótico, comumente se utilizando de um apresentador, como no programa Amazônia com Bruce Parry da BBC, ou mesmo sem a presença de um apresentador, mas de um narrador explicativo como no programa Tabu da NatGeo.

Na experiência do documentário etnográfico brasileiro, temos exemplos de cineastas como Elyseu Visconti Cavalleiro e Eduardo Coutinho que tiveram seus filmes adquiridos por canais públicos europeus, em especial nos países do leste da Europa que compunham a extinta URSS, em função dos laços políticos estreitados pelos movimentos do cinema moderno brasileiro e as correntes ideológicas hegemonizadas durante a existência da União Soviética. No caso de Elyseu, filmes folclóricos sobre autos populares como Ticumbi – ES (1971), Boi Calemba – AL (1974) foram distribuídos em TVs da Romênia e da Tchecoslováquia; já no caso de Coutinho filmes de etnografia política como O Pistoleiro de Serra Talhada (1976), Teodorico, o Imperador do Sertão (1978) e Cabra Marcado para Morrer (1984) foram adquiridos por canais públicos da Alemanha Oriental e da Rússia. Sem mencionar a importante participação de Coutinho na produção de programas e séries documentais televisivas de canais privados brasileiros como o Globo Repórter da TV Globo, do qual foi Diretor e Roteirista de 1975 a 1984, além de ter dirigido episódios e produzido roteiros para as séries “90 anos de Cinema Brasileiro” e “Caminhos da Sobrevivência” da TV Manchete.

Na história recente da Televisão brasileira, temos dois exemplos de iniciativas bem sucedidas de produção e emissão de séries etnográficas na TV Brasil, são elas o Etnodoc e o DocTv, ambos editais públicos que patrocinam produtoras independentes na realização de documentários etnográficos para comporem o acervo da emissora. Tais séries seguem o modelo sazonal de

exibição, não se caracterizando em programas periódicos da grade, mas por outro lado são fortemente valorizados na distribuição de horários dentro da programação durante suas novas temporadas, estabelecendo-se como fator de extraordinariedade, mas de papel estrutural fundamental no cumprimento das funções sócio-culturais da emissora.


BIBLIOGRAFIA


Catálogo da Mostra Visconti Cavalleiro : Cinema e Invenção. SESC 2013

BARNOUW, Eric. Documentary : A History of the Non-Fiction Film. New York, Ed Oxford 1983

WEBGRAFIA

http://www.revistacomunicacion.org/pdf/n10/mesa4/059.Algumas_notas_sobre_a_historia_do_cinema_documentario_etnografico.pdf 



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