Seminário XIII: Documentários de Viagem



Universidade Federal Fluminense
Instituto de Artes e Comunicação Social
Cinema e Audiovisual
Professor: Felipe Muanis
Alunos: Juliana, Ariadne, Elena e Anderson





O formato escolhido para o seminário é o que chamamos de documentários de viagem. A quantidade e variedade de programas de TV que tratam de assuntos, de temas e de histórias relacionadas de algum modo à viagem é bastante diverso,assim como são diversas as motivações que funcionam como propulsoras dos deslocamentos físicos e que repercutem nos distintos procedimentos estético-narrativos adotados pelos documentários de viagem.

Para esse trabalho privilegiaremos sobretudo o estudo e análise de uma razoável quantidade de programas de TV que dialogam em maior e menor grau com uma estética/abordagem relacionada à tradição documentária, em especial aquela que se baseia nos dispositivos - aqui entendidos como os gatilhos propulsores dos deslocamentos promovidos e que promovem os programas de TV analisados.Porém, se a adoção do dispositivo como prática referente à tradição documentária aludida nos auxilia a definir o formato, também achamos importante ressaltar que,em se tratando de estudos de TV, é sempre conveniente que a relação com os textos e teoria voltados para o cinema mais dialoguem com as pesquisas para a TV do que sejam fontes exclusivas para os estudos de sua lógica e funcionamento.Ressalta-se também que parte desses programas se afiliam a outros formatos,
inclusive no que diz respeito às suas relações com esse tipo de programa de TV na televisão brasileira – a construção de um histórico, que pincelaremos na medida em que nos deteremos na análise dos dispositivos e estratégias (abordagens,práticas...) dos exemplos elegidos.

Então, por documentário de viagem entendemos aqueles travel shows que articulam dispositivos narrativos específicos a partir de um tema (moradores,preservação ambiental, brasileiros pelo mundo, cotidiano local) que serve como ponto de partida para todos os episódios. A partir desses programas são evidenciadas as histórias e particularidades dos lugares. Assim são pessoas que evidenciam histórias ou casas que contam histórias de uma cidade, de uma região,de um país. Dessa maneira as questões vão surgindo de forma mais orgânica,menos explicativa e, em alguns casos, menos didática.É importante frisar que existem vários programas de viagens e os seus formatos/gêneros variam de acordo com a abordagem: documental, jornalístico,surf, intercâmbio cultural, etc. No que diz respeito aos documentários de viagem aqui tratados o dispositivo (gatilho) muitas vezes é o elemento diferenciador dos distintos gêneros desse formato ou vice-versa. Esse gatilho pode ser através da brincadeira, comida, etc.

Dentre os programas analisados estão o Morar, o Entre Fronteiras, Expresso Brasil,Meu País, Nosso Mundo e Brasileiros pelo Mundo. Canais abertos e fechados, TV segmentada e TV generalista; se pode dizer que hoje, no Brasil, é possível encontrar esse formato em diversos canais. É claro que fazendo esse recorte deixamos de lado algumas abordagens da TV, sobre os quais não falaremos, por fazerem um tipo de programa de viagem mais preocupado em visitar os pontos turísticos dos locais que visita, se atendo à informações mais clássicas sobre esses ligares, como Vai pra Onde?, do canal Multishow; Paulo Gustavo na Estrada, do mesmo canal; 50 por 1, da Record; e etc.

Para falar sobre esse formato recorremos a questões e objetivos específicos sobre os quais poderíamos fazer nossa análise. Além de recortar o público alvo, canal em que é transmitido, também pesquisamos e coletamos em cada um dos programas abordados quais foram os dispositivos, estratégias, tons e temas abordados pelos documentários de viagem em cada exemplo citado. Essa metodologia nos permitiu também perceber a relação entre os episódios - qual o fio condutor que une todos os episódios de um mesmo programa, as relações com as pessoas e os personagens abordados em termos de negociação das filmagens, bem como questões relacionadas, por exemplo, à opacidade e transparência nos critérios de escolha de filmagens, como a escolha dos próprios personagens.

Ainda que não fosse o objetivo desse trabalho, ao analisar alguns dos programas do formato escolhido nos deparamos com algumas questões problematizadoras dos documentários de viagem em geral, ainda que não tenhamos nos debruçado detidamente sobre elas. Essas questões passam pelo questionamento da busca por experiências culturais autênticas, fora dos clichês, que é comum em certos programas e que nos leva ao ponto da comoditização dessas experiências. Ou seja, a transformação dessa suposta autenticidade em produto turístico para consumo massivo. Segundo Paul Ahn (online), sobre o programa Sem Reservas,apresentado por Anthony Bourdain (que aqui não é analisado pois escolhemos apenas programas produzidos no Brasil), na medida em que o viajante quer se diferenciar do turista vulgar, ele assume um papel elitista em relação a essa busca de autenticidade.Possivelmente há também a configuração de um turismo predatório promovido por esses programas, na medida em que ele alimenta o turismo que vá ao encontro de uma experiência autêntica. São questões que não nos deteremos, mas achamos importante mencionar na medida que os programas aqui analisados fogem do esquema tradicional de programas de viagens com roteiro destinado aos pontos mais clássicos e/ou exóticos de uma determinada localidade, mas se inserem nessa tendência de ir à procura de uma autenticidade cultural no cotidiano e/ou a partir das interações com as pessoas com quem trava contato.

MORAR

Exibido por: GNT (Globosat)
Público alvo do canal: mulheres de 19 a 49 anos das classes A e B.
Diretor/Criador: Alberto Renault
Trabalhos anteriores: Casa Brasileira (a partir de arquitetos e designers).
Cenógrafo, diretor de óperas e peças de teatro. Trabalhou com Regina Casé em
programas como Muvuca, Central da Periferia, Um Pé de Quê, Brasil Legal
Visão geral:

O programa tem como objetivo fazer crônicas sobre a vida privada do Brasil a partir da relação das pessoas e suas casas, dos moradores e suas histórias com o espaço. Ele não prioriza a técnica, e sim valoriza a emoção. Cada episódio se concentra em uma localidade específica. Podem ser regiões(como a do Cariri. da Serra Gaúcha, do Caminho dos Diamantes), cidades(Florianópolis, Campinas, Aracajú, Piranhas) e até mesmo bairros (Paquetá, no Rio de Janeiro). Nessas regiões, a produção do programa encontra casas de diversos tipos, explorando a pluralidade de maneiras diferentes de ocupar o espaço doméstico que cada local pode proporcionar. Assim, por exemplo, no episódio quese passa em Campinas, há tanto mansões de empresários que enriqueceram há pouco tempo, quanto uma república de estudantes universitários, quanto a Casado Sol, famoso sítio da escritora Hilda Hilst. Essa diversidade pode ser encontrada em todos os episódios. No do Caminho dos Diamantes essa pluralidade sede monstra na tensão entre a arquitetura colonial de cidades como Diamantina e a visão de uma família de professores universitários negros, que constroem uma casa moderna nos arredores da cidade pois não se sentem confortáveis morando em um lugar cuja arquitetura remete aos sofrimentos passados pelos escravos.O criador do programa afirmou que, enquanto seu programa anterior, Casa Brasileira, era mais ligado à estética, o Morar tem uma “pegada mais antropológica”;O programa não tem um apresentador. Seu fio condutor é uma narração em off.Cada episódio é narrado por uma atriz diferente.Outro dispositivo narrativo empregado é a utilização de elementos gráficos que apresentam cada casa que será retratada. Trata-se, normalmente, de um plano da fachada da moradia sendo delineada por uma linha branca, e a apresentação de informações sobre a casa: quantos moradores, quartos e andares, e a quantidade de metros quadrados.A partir daí o programa elege um personagem que apresentará a casa e falará de sua relação com ela, da sua história, da família que mora ali, etc. A casa se torna,então, um dispositivo para se falar dessas regiões do país, ainda que o programa esteja mais preocupado mesmo com as questões particulares das formas de se morar e do espaço privado brasileiro. A negociação com os moradores em geral não é mostrada.Em alguns momentos,no entanto, o encadeamento das casas que estão sendo mostradas é feito pelas indicações dos moradores que estão apresentando suas casas. Assim, em diversos momentos,quando uma pessoa acaba de mostrar sua moradia, ela indica outra nas redondezas que ache interessante ser filmada. Mas isso não acontece em todas as transições. No final das contas, é um dispositivo de transparência que se torna um pouco aleatório. Mas já é um vestígio dessas intermediações que são feitas pela produção.


MEU PAÍS, NOSSO MUNDO

Programa: Meu país, nosso mundo
Exibido por: TV Cultura
Público Alvo: Jovens e adultos.
Uma jornada através dos problemas e desafios da preservação ambiental em nove países da América latina, pelos olhos e questionamentos dos jovens. Estes jovens representam os nossos guias durante os episodios. Eles apresentam o lugar onde moram e os problemas ambientais que pretendem combater através de entrevistas. A partir destas, acompanhamos a realização de seus projetos,ganhando uma perspectiva mais ampla da localidade.Foram realizados 36 episódios de 13 minutos. Perpassando Argentina, Bolívia,Brasil, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Uruguai e Venezuela por diferentes regioes e biomas. “Meu País, Nosso Mundo” foi coproduzida pela TAL e pelos canais públicos latino-americanos, como Encuentro (Argentina), Bolívia TV, Señal Colômbia, Vive TV (Venezuela), TV Pública del Paraguay, TV Ciudad (Uruguai),SRJTV (México), Equador TV e, finalmente, a TV Cultura do Brasil.


ENTRE FRONTEIRAS

Exibido por: TV Futura

Público alvo do canal: "O Futura é voltado para todo o povo brasileiro,
preferencialmente para as classes C e D. Tem alvos especiais: jovens,
trabalhadores, donas de casa, educadores e crianças. Sua meta é que todas as
produções exibidas no Futura possam ser vistas e utilizadas pelo mais amplo leque
de pessoas, da cidade e do campo. O sinal do Futura é recebido pelas antenasparabólicas convencionais em milhões de lares e milhares de escolas, ampliando
mais ainda seu alcance."
Diretor/Criador: Luís Nachbin. Foi repórter da rádio Tamoio, depois da TV
Educativa, mais adiante na Rede Globo, depois tornou-se produtor independente,
passou a percorrer o mundo sozinho e gravou muitas séries de reportagens para a
Rede Globo. Em 2001, foi o primeiro repórter a produzir e dirigir sozinho um
programa inteiro do Globo Repórter, com um programa individual. Fez outros
episódios e, através de parcerias com o canal Futura e mais recentemente com o
grupo Turner, atualmente há 184 documentários no ar que são resultado de suas
andanças solitárias.
Trabalhos anteriores: Passagem para…, Globo Repórter
Visão geral:

Entre Fronteiras se dá pela busca de um personagem, de uma história. É, como em seu site diz, uma série sobre pessoas e, consequentemente, os lugares em que estão.O programa consiste em 20 episódios de documentários televisivos, independentes entre si, visto que cada novo episódio é guiado por um personagem ou história.Apesar disso, eles criam unidade, uma vez que são sempre fruto de uma viagem do apresentador e realizador, Luis Nachbin, que se relaciona diretamente com as pessoas encontradas e que filma as coisas que vive, os encontros e seu desenrolar. As viagens são sempre para lugares próximos à fronteiras.Os episódios possuem como mola propulsora sempre uma pessoa ou uma situação, e esse dispositivo leva o espectador a conhecer, além dessas histórias, o
contexto do lugar, sua cultura e hábitos de maneira orgânica, fluida, ainda mais porque são apresentados por nativos ou em conjunto com eles, e não sob uma posição de autoridade, ou descobrimento e desbravamento.De acordo com o site do programa, o objetivo é contar histórias surpreendentes, e nesses dois anos e meio de atividade já conseguiram uma vasta galeria de contos brasileiros e africanos: um cubano que mora há mais de cinco anos numa cabana à beira da estrada, um médico de Uganda que trabalha como motorista num país recém-nascido, um feiticeiro que é pago para garantir a vitória de times de futebol no Quênia, detentas de um presídio em Rondônia que competem pelo título de Miss Penitenciária.Em cada fronteira, uma fábula.A estrutura dos episódios é sempre um homem com uma câmera na mão(Vertov?), no caso, o idealizador do projeto, Luis Nachbin. Ele se põe em situações e as filma de maneira íntima e quase como um registro caseiro. Quando o acaso não é tão predominante, há também planos mais elaborados. A base de suas viagens sempre é uma pessoa, ou um grupo, que Nachbin apresenta ao público e acompanha com sua câmera e também sem ela. Por ser apenas ele, sem equipe, epor sua abordagem pessoal, natural e respeitosa,geralmente os personagens aproximam-se de Nachbin a ponto de virarem seus amigos, e criarem uma relação de confiança e naturalidade com sua presença e com a da filmadora.Osdocumentários costumam ser bem transparentes, não há bastidores. O bastidor e a cena filmada são uma coisa só, ainda mais porque Nachbin quando participa (e ele sempre participa) da situação, ele a está filmando, então ouvimos sua voz por trás da câmera, que move-se em suas mãos.O tom, então, é muito informal, e Nachbin põe-se em uma relação de proximidade e semelhança com seu espectador, quase como se contasse as histórias a um amigo, sem lugar de autoridade nem tom professoral ou espetacular. É tudo bem simples, e o responsável por manter o interesse do espectador é o tema, as histórias das pessoas, as diferenças culturais e suas proximidades.


EXPRESSO BRASIL

Exibido por: TV Cultura

Público Alvo: Público amplo.
Visão geral:

Série produzida pela Polo Imagens para a Tv Cultura.Possui um diretor geral, e outros diretores para episódios específicos.O nome dos episódios é o próprio dispositivo do programa.Exemplos: "O Paraná de Luis Wello", "As Alagoas de Lêdo Ivo", "O Sergipe de Dj Dolores"O programa apresenta uma localidade do Brasil, a partir do olhar de um artista desse local, podendo ser um músico, artista plastico, cineasta, escritor, etc. A estrutura do programa se constitui por depoimentos desses artistas, com imagens de cobertura que acompanham sua fala, alguns momentos em que ele vai a locais específicos e conta casos no próprio local, e há também algumas entrevistas com outras pessoas dali.


O MUNDO SEGUNDO OS BRASILEIROS
Exibido por: BAND
Público Alvo: Procura atingir um público bem amplo, variado, e isso é percebido no
visual, na linguagem e na montagem do programa.
Visão geral:

A série percorre lugares sendo narrados por personagens reais em tom documental e autobiográfico e contando as curiosidades que eles conhecem do local.O programa começa sempre com a apresentação dos personagens que irão compor o episódio, de maneira bem dinâmica, já inicia com essas pessoas emmeio a situações que atraem a atenção do expectador. Depois dessa introdução,segue-se uma narrativa paralela, um pouco mais demorada em cada pessoa e suas experiências e curiosidades particulares sobre o mesmo local.Sobre Expresso Brasil e O mundo segundo os brasileiros. Os dois programas, apesar de serem voltados para um público diferente (por serem de canais bem distintos) possuem uma estrutura muito parecida. O dispositivo são personagens reais, e suas experiências mostram os lugares, os lugares a partir do olhar de alguém. A fala dos personagens é direta, não intermediada por um entrevistador/personagem. Eles não apresentam uma forma tão orgânica de trazer um lugar e suas características, como encontrada em outros exemplos desse trabalho. Isso por que os dois programas tem como objetivo claro, mostrar uma localidade e suas particularidades culturais e naturais.Entretanto, ambos possuem um dispositivo como forma de mostrar isso, e não um repórter que chega como forasteiro e se propõe a levar o espectador junto com seu processo de descoberta.As duas series possuem formato opaco, já que não vemos a negociação, ou seja,não sabemos como os personagens de cada episódio são escolhidos e não há nem um entrevistador. A única coisa que denuncia é a forma como essas pessoas falam, claramente voltadas para alguém ao lado da câmera, entretanto, por nãochamar atenção ou incomodar, isso é esquecido no decorrer do programa

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