Vamp: uma Novela como Poucas. Qual o segredo?

por Fábio Mendes

Atualmente reprisada na grade de programação do canal pago Viva (Segunda a Sexta, 15h30), Vamp - novela de Antônio Calmon veiculada pela Rede Globo entre os anos de 1991 e 1992, foi uma das raras experiências de telenovela bem-sucedidas no Brasil a usar com propriedade e grande destaque de elementos e personagens fantásticos, ao mesmo tempo que conseguia agradar de forma igual desde crianças a donas-de-casa.

Hoje um clássico da dramaturgia brasileira, este antigo fenômeno é lembrado com nostalgia e carinho por muitos jovens e adultos desta nova geração - o que explica o sucesso de repercussão da sua atual reprise. Inclusive, hoje Vamp pode ser considerada uma espécie de modelo para seu gênero: se vampiros já apareceram na TV brasileira em outras novelas, como O Beijo do Vampiro, a trilogia dos Mutantes (ambas também escritas por autores de Vamp, Antônio Calmon e Tiago Santiago), e pela menos lembrada Drácula / Um Homem Muito Especial (novela iniciada pela Tupi pouco antes de sua falência e retomada pela Bandeirantes), nenhuma alcançou o equilíbrio e o sucesso da história de Natasha, Vlad, Jonas Rocha e Família.

Tive a oportunidade de acompanhar Vamp novamente, em paralelo à exibição do Viva, durante estes últimos sete meses. Analisando os capítulos, chega a ser surpreendente perceber que, por trás da aura de nostalgia, pode não se encontrar uma novela narrativamente consistente ou mesmo uma mitologia bem trabalhada (Calmon contradiz suas próprias regras sobre o universo dos vampiros e as profecias de Armação dos Anjos inúmeras vezes, chegando até a negá-las totalmente durente os capítulos finais, buscando criar reviravoltas), mas tudo isso se compensa através de uma inspiração incrível para criar tipos cativantes, tanto do autor e da equipe de direção de Jorge Fernando, quanto de seu elenco.

Se núcleos inconsistentes, rejeitados pelo público, como os de Ivan (Paulo José) e Silvia (Zezé Polessa) e o romance grosseiro entre Jade (Luciana Vendramini) e Augusto Sérgio (Marcos Frota) não agradaram e foram afastados, tiveram participação diminuída ou foram totalmente reformulados a olhos vivos  - sem nenhuma cerimônia, por assim dizer - , outros ganharam tanto as graças do público que ganharam espaço e competiam em popularidade com a história central.


Foi o caso, por exemplo, de Jurandir (Nuno Leal Maia). Se inicialmente o destino e a função narrativa da versão tupiniquim da Irmã Mary Clarence de Whoopi Goldberg no filme Mudança de Hábito era uma incógnita, a simpatia do Padre Garotão conquistou tanto que, mesmo após sua subtrama principal ter sido encerrada, novas situações e dramas foram criadas para que o bom ladrão tivesse seu espaço garantido na história até o último capítulo. Como recompensa, Jurandir até ganhou um par romântico (Marina, Vera Zimmermann) e um filho, que visivelmente não estavam previstos na sinopse original.

A família Matoso é outro caso curioso. Recentemente, Tempos Modernos e Três Irmãs naufragaram tentando fazer algo semelante aos tipos de vilões caricatos, infantilizados e exagerados, quase cartunescos, aqui incorporados com maestria por Otávio Augusto e Patrícia Travassos. Mas basta ver os primeiros capítulos de Vamp pra perceber que o sucesso deles, que também foi moldado pelo texto do autor com o passar dos capítulos, só foi possível graças a uma "química" difícil de ser repetida e uma afinidade rara de intérprete e personagem - e isso é mesmo complicado de reproduzir, tanto que tipos cômicos de novelas hoje são sempre interpretados pelo mesmo grupo de atores, numa tentativa de faciltar esse processo. Funciona muito bem algumas vezes - mas nem sempre. Se a própria Vamp escorregou no artificial e forçado palhaço Simão Coalho (Evandro Mesquita), que só se manteve firme na história graças a divertida história dos "delírios" de sua esposa Jezebel (Bete Coelho) com o "anjo" Rafa (Marcos Breda)...


Jonas Rocha (Reginaldo Faria) e Carmem Maura (Joana Fomm) dão conta do recado na missão de segurar a atenção do espectador mais velho com os problemas familiares de sua extensa lista de filhos, sem é claro, destoar do clima de bom humor com as constantes crises de ciúme entre os dois e o diálogo consistente com a trama central. Claudia Ohana ganha o papel de sua carreira como a roqueira Natasha, dialogando e costurando todos os núcleos com sua presença vibrante e a busca pelo "homem chamado Rocha" e a Cruz de São Sebastião - além de ter um final, de certa forma, inesperado e bem bolado. E Ney Latorraca, com seu Vladimir Polanski cuja ameaça é constante, ao mesmo tempo que diverte a todos com seus tiques, tiradas e frases de efeito, dispensa comentários.

Em tempos de Crepúsculo, quando a "vampiromania" se reflete em outras novelas e séries fora do país - como a chilena Vampiras e as portuguesas Destino Imortal e Lua Vermelha (além, é claro, de The Vampire Diaries), a reprise de Vamp se destaca por respeitar a mitologia clássica e o charme da lenda dos vampiros ao mesmo tempo que diverte numa história alegre e cativante para todos os públicos. Uma harmonia realmente rara. Dá gosto de acompanhar.

Comentários

  1. Gostei do texto... Vamp foi uma novela criativa... e muito marcante!!! Nunca havera outra igual a ela

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