Negro é lindo

Luiz Fernando Carvalho muda estética refinada em série para a Globo, "Suburbia"

SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES

Publicado originalmente na Folha de São Paulo, Ilustrada
Segunda-feira, 30 de julho de 2012, página E1

Saem de cena a superprodução, o cuidado milimétrico com a atuação e a estética sofisticada. Entram linguagem quase jornalística, atores não-profissionais e uma busca calculada pelo "real".
"Suburbia", a nova minissérie que o diretor carioca Luiz Fernando Carvalho, 52, começou a filmar na última semana, é uma espécie de negação de seu próprio estilo e um desafio ao modo como a produção cultural atual retrata as transformações sociais do Brasil contemporâneo.
A série irá ao ar em novembro pela Globo e terá oito capítulos, com trilha sonora de Ed Motta e participação de André Mehmari. O texto é do próprio Carvalho e do escritor Paulo Lins (autor de "Cidade de Deus").
A trama é baseada na história de Ceição, personagem inspirada numa "mãe preta", na definição do próprio diretor, que a acompanhou por mais de 20 anos e morreu há pouco. Durante o relacionamento de ambos, Carvalho tomou notas de relatos dela e conversas entre os dois.
Nascida no interior de Minas Gerais, Ceição migra para o Rio, ainda adolescente, sem emprego e sem dinheiro.
Carvalho se diz incomodado com o que vê sendo produzido pela TV e pelo cinema e que tem como foco a chamada "nova classe C".
"Há muita encenação. Uma visão cenográfica do real, uma forçação de barra, para mim parece tudo fake", explica. "O que vemos é uma interpretação que é produto do mercado, da mídia e da formação universitária. É uma classe C que sai da mistura da visão da USP com a da Coca-Cola", diz, sem querer dar nomes aos bois.
Além disso, Carvalho ainda sente a ausência do negro nas telas. Em "Suburbia" resolveu trabalhar com não-atores. Ceição é interpretada por Érika Januza, seu pai, por Luiz Manoel de Souza, e a mãe, por Serafina Terezinha Pereira (ou dona Fininha).
O diretor diz que tomou como referência, também, algumas manifestações surgidas em jornais.
MOZART NO SUBÚRBIO
Uma delas, uma moradora do subúrbio carioca que escreveu para um diário local para reclamar de uma dessas interpretações e para dizer que o pai escutava Mozart, e não música popular.
"Como é que fica o pacote que eles imaginam para um determinado filão quando você descobre que, na periferia, tem gente que dá comida aos passarinhos ouvindo música clássica?", pergunta. Para ele, a publicidade é incapaz de captar essas sutilezas, mas a arte pode, e deve.
Sobre seu trabalho na Globo, Carvalho diz que a relação é "sempre apaixonada", mas admite que tem uma espécie de paranoia, mas que em geral não se confirma.
"Eu me sinto fazendo uma coisa que está fora da lei. Sempre acho que pode entrar um fiscal a qualquer momento e me trazer um ator consagrado, um ex-BBB."
Carvalho está gravando em vários pontos da periferia do Rio, como Madureira, Ilha do Governador e Piedade, e se diz encantado com o encontro com figuras nostálgicas que vivem nesses lugares, e que lembram uma época de menos sectarismo entre a zona sul e a zona norte.
"O subúrbio tem sido considerado como a terra do colorido, da vivacidade. Não sei se decepcionarei, mas não estou correndo atrás de gritarias ou de uma imagem turística. Meu subúrbio talvez esteja mais próximo de 'A Falecida', de Leon Hirszman, considerado um filme triste. Estou mais perto do lirismo que de qualquer outra representação mais atual", explica.
O diretor considera que a série busca, através do real, uma "reflexão social". "É um realismo a ser superado, no sentido de que o real é o que todas as pessoas devem enfrentar como um obstáculo moral. O real é opressor para muitos. O peso do real deve ser sentido a fim de que a luta contra ele também seja possível", conclui.