"Fail" do ano: o retorno de Datena à Bandeirantes e a Crise do Jornalismo da Rede Record


por Fábio Mendes
swokord@gmail.com

Passados 43 dias e trinta programas, uma notícia surpreendente revirou ao avesso uma situação que já parecia resolvida no mundo da televisão brasileira. José Luiz Datena, após deixar a Bandeirantes de forma brusca e estrear na segunda seguinte o Cidade Alerta com pesada estrutura e divulgação na concorrente Rede Record, de forma ainda mais súbita decidiu rescindir seu contrato recém-assinado de cinco anos e voltar à sua casa anterior.

Após um retorno substituindo Marcelo Tas na bancada do programa CQC já na segunda seguinte a seu último programa na Record - onde fez piadinhas com sua instabilidade profissional - , desde a última segunda (08/08), o Brasil Urgente está de volta a seu comando. E, mais uma vez, Datena repete a situação pela que passou com a mesma Rede Record em 2002. Agora com o dobro de processos nas suas costas.

Um prejuízo que a Rede Record perdoara no ato de sua primeira rescisão em 2002 agora se tornou ainda maior: contratações, cenários e toda uma equipe jornalística foi formada para viabilizar seu novo programa jornalístico de fim de tarde. Além disso, a novela Rebelde o principal jornal da emissora, o Jornal da Record, tiveram seus horários alterados em função do programa de Datena - o que influiu no faturamento de boa parte de seu horário nobre.

Sem opções para ocupar o rombo de duas horas na grade de programação e mais fragilizada do que nunca, restou à emissora seguir o exemplo da RedeTV! ao passar por situação semelhante com o também abortado Datena Repórter Cidadão, nove anos atrás. O Cidade Alerta continua no ar, com um novo apresentador, o competente William Travassos, escolhido às pressas - mas uma grande surpresa ao mostrar saber conduzir a atração com segurança e seriedade.

William Travassos, o substituto de Datena no 
Cidade Alerta desde a última segunda, 08 de agosto

A situação definitivamente não é mais a mesma de antes da dança das cadeiras de Datena: se até dois meses atrás Datena segurava a vice-liderança de audiência enquanto a Record exibia maratonas do seriado Everbody Hates Chris, na última semana, houve uma distribuição de público entre o Cidade Alerta e o Brasil Urgente, que desde a última segunda-feira estão com médias de audiência próximas, entre 6 e 7 pontos. No entanto, ambos os canais, desgastados com as mudanças, estão ofuscados na faixa de horário das 18h pelo SBT, que se fortaleceu ao concentrar públicos distintos com suas reprises de Chaves (que vem exibindo aleatoriamente entre os episódios normais, uma seleção de episódios restaurados que estavam fora de circulação há quase duas décadas).


E como ainda se acredita que nas próximas semanas, aos poucos, a situação voltará à sua normalidade a favor de Datena (o Cidade Alerta anda perdendo espaço aos poucos e começando mais tarde graças às reprises do reality show A Fazenda exibidas antes no programa Tudo a Ver), de qualquer forma a emissora mais prejudicada nesta história foi a Rede Record. Não apenas pelo prejuízo financeiro, mas pelo desgaste do seu jornalismo - que também nas últimas semanas tem sido alvo de notícias que sugerem o início de uma crise no setor na emissora, com limitações impostas pela direção e cortes de gastos.

O retorno de Datena se sucedeu, dias depois, da notícia do fim dos programas jornalísticos da Rádio Record AM de São Paulo. Todas as suas atrações com locutores foram encerradas e substituídas por musicais com esporádicos boletins jornalísticos. E, durante o mês de julho, colunistas de vários sites comentaram cortes de gastos relacionados ao fim de horas extras dos jornalistas da emissora. Inclusive em função dos cortes, o jornal Record Notícias (exibido em São Paulo na hora do almoço) deixou de ir ao ar aos sábados, e o número de reprises de matérias e notícias de celebridades nos jornais da casa cresceram - o que já podia se notar inclusive dentro do Cidade Alerta enquanto Datena ainda estava no comando.
 

Datena atribuiu à "falta de liberdade" a principal razão de sua saída da emissora. Durante sua estadia no Cidade Alerta, ele teria sido impedido de dar entrevistas e até de noticiar em sua atração pautas que envolvessem questões relacionadas à religião e crimes contra homossexuais. Pressões da rede por audiências altas mesmo em dias de pautas fracas e críticas de afiliadas da Record em outros estados que alegavam perda de audiência e faturamento com a exibição nacional, sem intervalos, de um programa "bairrista" direcionado ao público do Estado de São Paulo também foi um dos motivos lembrados pela imprensa.

Toda essa situação acabou, no final das contas, para expor ao público que a emissora do Bispo Edir Macedo, após uma fase próspera na qual chegou inclusive a incomodar a Rede Globo em audiência, agora colhe os frutos da falta de uma estratégia a longo prazo com horários, programas e objetivos financeiros. Não é raro ainda ver a emissora passar horas da sua programação sem dar pausa a intervalos, e deixando para exibí-los em faixas de pouco público - estratégia que, se há três anos segurava público, hoje causa desconfiança do mercado publicitário e chega a fazer executivos da emissora darem descontos extremos para vender suas atrações.

O uso do jornalismo da casa para atacar concorrentes e divulgar atrações da casa, além dos excessos em coberturas policiais, também desgastaram sua imagem frente à população. Por fim, instabilidades na grade de programação, com mudanças de horários e cancelamentos de atrações pré-programadas, já davam sinais que, em algum momento a situação seria sentida pelo público ocasional.

Ao que aparenta, o Episódio Datena serviu pra deixar mais claro os problemas por trás das câmeras da Rede Record, que podem influir diretamente em sua programação durante os próximos meses.

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